sábado, fevereiro 24, 2024

"Anatomia de uma queda", algumas impressões

 

                Vi, no último domingo, o filme “Anatomia de uma queda”. Confesso que gostei. Inscreve-se entre os bons filmes a que assisti até agora e se inscreverá entre os melhores de 2024. Pode-se afirmar de início de que se trata de um filme sensível, inteligente, com diálogos bem estruturados e um enredo que vai entregando aos poucos as ações das personagens.

                O longa ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2023 e foi dirigido pela jovem e talentosa diretora francesa Justine Triet. A diretora, em 2019, havia dirigido “Sybil” que teve pouca repercussão. Todavia, com “Anatomie d’une chute”, Triet conseguiu acertar de maneira definitiva.

                O elenco do filme consegue manter uma constante de equilíbrio, encenando personagens complexos e densos, o que permite entregar um nível alto de qualidade dramática. Com duas horas e meia de boa produção, a diretora Justine Triet consegue equilibrar os aspectos dramáticos com o movimento do enredo, não permitindo que a história perca em qualidade.

                A história se desenvolve em torno do assassinato de Samuel, companheiro de Sandra e pai de Daniel. Samuel é um professor carismático, mas que possui uma carreira literária frustrada. Não consegue terminar os projetos literários que inicia. Por sua, vez sua esposa Sandra é o contrário. Ela consegue escrever. Possui um relativo sucesso. É organizada, conseguindo resultados excelentes com os seus projetos. Daniel é um garoto cego. A perda da visão se deu por culpa de Samuel. Mesmo com essa limitação, Daniel é um garoto altamente sensível.

                Sandra passa ser a principal suspeita pela morte de Samuel. A promotoria - junto com a perícia da polícia científica - possui um veredicto aparentemente inexorável: Sandra é a culpada. Aqui verifica-se uma das qualidades do longa, pois, à semelhança do que acontece ao tribunal, o espectador vai organizando uma percepção a respeito da tumultuada relação conjugal entre Sandra e Samuel e os feitos disso para Daniel.

                O filme problematiza a noção de discurso; ou seja, como é possível estabelecer uma tese para um fato e, a partir dessa tese, reunir elementos para validar os argumentos que sustentam a tese. É possível, para sustentar uma tese,  colocar a evidência de um fato em segundo plano e estruturar uma linha argumentativa para fazer acreditar no que fato construído. Parafraseando a personagem Daniel que parece perceber esse sofisticado artifício sofístico que procurava incriminar a sua mãe: “Por que a gente não pergunta sobre o que realmente aconteceu?”

                “Anatomia de uma queda” é um filme dirigido com muita habilidade. Faz-nos pensar. Evita os clichês, embora a atuação do promotor seja um tanto forçada. Nas entrelinhas, como possibilidade de interpretação, notamos a forte tese contra o feminino. A personalidade de Sandra é construída como se ela fosse o elemento problemático e conturbado do filme. Todavia, com a entrega dos elementos vivenciais, percebe-se que Samuel não conseguia lidar com o sucesso de Sandra. Claro, estamos a especular; e essas especulações são responsáveis por transformar a obra numa grande produção. 

 

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