quarta-feira, fevereiro 07, 2024

"A pequena loja de veneno", de Sarah Penner e a presença alienígena

 


Ano passado, tive a experiência singular de participar de um clube de leitura feminista. Havia dezenas de mulheres de todas as partes do Brasil. As reuniões aconteciam mensalmente. Para cada mês do ano, houve a leitura de um livro – ou quando o livro era muito volumoso, a leitura abrangia mais de um mês; e, após a leitura, acontecia o debate sobre o que foi lido. Deixei de participar de alguns encontros, mas procurei ler todos os livros. Talvez, uns sete ou oito ao longo de todo o ano.

As reuniões aconteciam remotamente. Recordo-me que na primeira reunião, a mediadora, após ter dado as boas-vindas, informou àquela confraria de fêmeas sequiosas por compartilhar experiências e pensar a condição da mulher numa sociedade estruturalmente organizada à imagem e semelhança do patriarcado, proferiu como que pedindo desculpas a todas que estavam ali:

- Temos um homem em nosso meio!

Uma das participantes proferiu em lance automático, quase se persignando:

- Cruzes!

Não deixei de dar uma boa risada interna. Por ser homem, eu era considerado uma aberração naquele meio de mulheres corajosas e engajadas. Verdadeiramente, eu era um alienígena; um réprobo. Havia uma ideia religiosa naquela fala, como que a dizer: “Deus nos livre!” Não me senti ofendido, mas não deixei de refletir como nós humanos nos vinculamos radicalmente a certas ideias, sem fazer concessões. O mundo real é absurdamente múltiplo. E quem se fecha a essa pluralidade, perde imensamente a capacidade de aprender.

Dentre os livros que li, encontra-se “A pequena loja de venenos”, de Sarah Penner. Fiquei por mais de dois meses lendo esse livro. Não é que o livro fosse longo. Ele possui pouco mais de trezentas páginas. O fato é que a história não me prendeu. A estrutura foi bem construída. A autora consegue ser convincente, todavia alguns lances me pareceram adstringentemente com aquelas sensaborias novelísticas da Rede Globo.

Senti a falta de algo mais encorpado, próprio dos grandes escritores. Em alguns momentos, pensei estar a ler aqueles folhetins adolescentes. Não me refiro à história. O livro foi construído belamente e revela algo bastante engenhoso, mas o estilo de Sarah Penner gerou cansaço.

No livro, há dois planos históricos paralelos – um que ocorre em nossos dias; e outro que ocorre no século XVIII. Os capítulos vão se alternando para que se absorva o as duas histórias. Em dado momento, um dos planos consegue encontrar o outro. Percebe-se claramente que ela se mostra convincente do ponto de vista da criação.

O plano dos nossos dias, traz como personagem principal Caroline Parcewell, uma mulher que passa por uma crise em seu casamento. E em uma viagem a Londres, inicia uma perquirição após entrar em contato com fragmentos de registros históricos que a remete à história do século XVIII. E é exatamente nesse ponto que as duas histórias se encontram. No século XVIII, tomamos nota da história de Nella que manipula ervas e outros artefatos da natureza para produzir venenos que são usados para “eliminar” homens que são violentos ou cruéis com suas companheiras. Nella é auxiliada por uma adolescente de doze anos. Em meio à sua vida infeliz, açambarcada por um torvelinho feroz, Caroline encontrará inspiração na história ocorrida há trezentos anos. Isso permitirá que ela tome algumas decisões importantes que mudarão sua vida em vários sentidos.

Após ter terminado a história, senti-me aliviado. Não gosto de abandonar qualquer leitura, mesmo quando essa me é enfadonha; mesmo quando tenho a lembrança de que fui considerado um alienígena.

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