sexta-feira, janeiro 26, 2024

Algumas palavras sobre "Luzia-Homem", de Domingos Olímpio

 

                “O mundo e a pobreza estragam a gente”

Domingos Olimpio, em “Luzia-Homem”.

 O romance “Luzia-Homem”, do escritor cearense Domingos Olímpio, foi publicado em 1903, três anos antes da morte do autor. O escritor nasceu em Sobral, no ano de 1850. Estudou em colégios do seu estado até a mudança para o Recife, onde cursou Direito na famosa Faculdade de Direito de Recife, estabelecimento em que vários intelectuais, filhos da aristocracia rural, estudaram. Após se formar, voltou para o Ceará e atuou como promotor. Mudou ainda para Belém-PA e atuou como jornalista, além de exercer a advocacia. Mais tarde, mudou-se em definitivo para o Rio de Janeiro, a capital da recém-inaugurada República. Na Capital, continuou a exercer o ofício de advogado, além da produção copiosa no jornalismo.

No Rio de Janeiro, Olímpio fez amizade com vários intelectuais. Percebeu o mundo político; suas vaidades e arranjos internos. Buscou por duas vezes ingressar na Academia Brasileira de Letras, mas não obteve êxito. À época, Machado de Assis ainda estava vivo. Sua influência se fazia sentir no comando da instituição que ajudara a criar. Na primeira vez que tentou, foi preterido por Euclides da Cunha. O ribombo que “Os Sertões” produziu quando de sua publicação, não deu nenhuma chance a Olímpio. Vale ainda mencionar o fato de Euclides Cunha ser o nome que descreveu o episódio de Canudos, que se tornou um dos fatos mais comentados e propalados dos feitos republicanos.

Na segunda tentativa, Olímpio perdeu a disputa para o filho do escritor José de Alencar. É importante assinalar que, nesta ocasião, Machado de Assis foi imensamente parcial, pois não negou sua preferência por Mário de Alencar. O filho de José de Alencar se tornou acadêmico em 1905, um ano antes da morte de Olímpio. 

“Luzia-Homem” é um romance que nasceu tardiamente. Alfredo Bosi assim se posiciona sobre ele, ao afirmar de que se trata de uma “ingênua e bela história de uma retirante de 77, cujos modos másculos ocultavam sentimentos bem femininos”. Nessa sucinta afirmação do grande professor, encontra-se a chave de interpretação do livro. É necessário explicar que o Ceará passou por uma mítica seca nos anos de 1877 até 1879. A seca foi responsável por fazer surgir uma forte onda em forma de fluxo migratório. Muitos escritores procuraram retratar esse episódio de grande força tétrica. Bosi fala de um “leitmotiv da poesia oral” que muito influenciou as produções da época. O escritor cearense Rodolfo Téofilo escreveu três livros para retratar a catástrofe do ano de 1877 – “A fome” (1890), “Os Brilhantes” (1895) e “O Paroara” (1899). É importante mencionar ainda Manuel de Oliveira Paiva, que escreveu um dos livros mais relevantes sobre a descrição desse período – “Dona Guidinha do Poço”, livro escrito em 1891, mas somente publicado em 1951. Todas essas produções foram escritas sob a influência da estética naturalista.

O romance mais relevante de Domingos Olímpio utiliza elementos do Naturalismo para sustentar o seu eixo temático. Vale relembrar que o Naturalismo é a radicalização do Realismo. Ele transforma os personagens em joguetes do ambiente em que vivem. São impelidos pela pulsão instintual. Em 1903, a escola naturalista já se encontrava em um processo de esgarçamento. O livro mais relevante de Domingos Olímpio é um filho temporão de uma escola literária que já se encontrava em processo de esgotamento. Escritores como Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha e Monteiro Lobato, apesar de diversos entre si, apresentavam uma nova estética. Olímpio, por sua vez, parece ser caudatário de um período em que as brasas já estavam por se apagar. Ele constrói uma personagem que abriga as características da pureza, das musas idealizadas, mas que é forte, viril, por isso, recebe o epíteto de “Luzia-Homem”.

O vocábulo “homem” aqui funciona como um adjetivo, porquanto serve para caracterizá-la. Ele não a chama de Luzia-Mulher pelo fato de forte. Ou seja, como se a força física fosse apenas um atributo dos homens. Luzia carrega blocos de concreto e tijolos para a construção da cadeia local. Ela é a mulher que realiza atividades que eram impensadas para alguém do sexo feminino. Sua postura é de destemor; de valentia. Ela enfrenta os desafios com denodo e força. Todavia, em outro lugar da obra, verifica-se que ela cosia com esmero, destacando-se na função; e recebendo elogios pela habilidade incomum. Assim, a personagem é um híbrido de força e delicadeza. 

Escritor cearense Domingos Olímpio

Há nela uma suavidade povoada por dúvidas. Ela chora. Pensa a respeito do destino incerto. Angustia-se com a mãe acamada. Rejeita a ideia de se casar com Alexandre, mas não se escusa de ajudá-lo quando ele é preso injustamente. Luzia é desenhada pelo escritor como um animal belo, paradoxalmente, delicado, mas arisco. Em alguns momentos da leitura não deixei de rir do artificialismo da obra; do esquematismo dos escritores do período a fim de enquadrar a criação literária, com o objetivo de impor certos maneirismos cientificistas.

A resolução do conflito entre o malvado soldado Crapiúna e a angélica, mas arredia Luzia acontece de forma trágica. Crapiúna surge como antítese às virtudes de Luzia. O personagem surge como um canalha; um sujeito malvado, que procura conquistar Luzia à força. Ao constatar que não seria aceito pela bela moça, utiliza-se de uma estratégia medonha – matar Luzia; e assim o faz. Crava um punhal no peito da personagem. Esta, por sua vez, arranca-lhe um dos olhos. Luzia cai inevitavelmente morta. Crapiúna despenca de um desfiladeiro.

“Luzia-Homem” é uma obra que carrega consigo uma carga mítica. Ele estrutura a ideia da mulher guerreira. Luzia é uma heroína; encarna a figura da mulher que sofre por ser demasiado bondosa e justa. É um romance que utiliza elementos estéticos que, àquela altura, encontravam-se em processo de erosão. Domingos Olímpio se utiliza de um ideário a respeito do interior do país. Muitos escritores como ele procuraram recriar o interior do país, estruturando personagens que faziam parte de uma fabulação o sobre os indivíduos que viviam em espaços do país a serem descobertos pela ficção. O Brasil do litoral ainda não conhecia o Brasil do interior. Acreditava-se que no interior estava “o homem puro”, que experimentava a vida simples.  Talvez, essa compreensão tenha sido originada no Romantismo.  

Domingos Olímpio não foi um escritor inovador. Afinal, Machado de Assis, nosso expoente máximo do Realismo; e Aluízio Azevedo, nosso expoente máximo do Naturalismo, já haviam escrito obras que evidenciam a grandiloquência do paroxismo de suas respectivas escolas. Olímpio nos brindou com uma deliciosa história repleta de idealizações e artificialismos, mas, por sua vez, muito bem escrita.

               

               

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