quarta-feira, janeiro 21, 2009

Obama e os americanos

O grande escritor argentino Jorge Luis Borges, considerado como um dos maiores escritores e intelectuais do século XX, tem uma obra extraordinária. Seus livros são resultado de um estilo único. São textos – ensaios, artigos, contos, poemas – crivados por uma linguagem simples e labiríntica, cheias de sentenças filosóficas, capazes de fazer pensar.

Certa vez lendo o conto “O outro”, conto este em que Borges escreve uma espécie de memória fictícia de um possível encontro consigo mesmo, achei uma frase que me fez pensar e até hoje a tenho comigo. A frase me aturdiu. Certamente a frase resume em poucas palavras um perfil da personalidade “caótica” e supersticiosa do povo americano. Borges usa a seguinte frase para se referir aos Estados Unidos: “a América, travada pela superstição da democracia”. Esta afirmação da alma da América, denuncia com bastante razoabilidade os aspectos religiosos de um dogma institucional – de que os EUA são um povo revestido por prerrogativas divinas. Tal fato dita o destino e a relação que o próprio povo americano estabelece com o mundo. Essa frase me fez pensar por muito tempo no momento em que a li.

A frase de Borges voltou à minha mente no dia de ontem enquanto assistia algumas cenas da posse presidencial de Obama. Fiquei ruminando pensamentos acerca da “paranóia”que habita a mente e o comportamento estadunidenses. Os americanos construíram uma sociedade alicerçada em valores religiosos. A América foi fundada por puritanos emigrados da Irlanda e da Inglaterra. Trata-se de uma sociedade com forte senso religioso moralista. O dólar americano vem com a inscrição: “Nós acreditamos em Deus”, não para proclamar um teísmo necessário, mas para apontar essa vinculação religiosa que resulta no moralismo e na superstição. O fato de Obama fazer o juramento com as mãos na Bíblia em que Lincoln também o fez é simbólico. Aquilo aponta para duas realidades: (1) a religiosidade cega a fim de defender os pressuspostos que se coadunam com a própria História dos americanos; o ato é justificante; e (2) o histórico que releva os feitos do passado com o objetivo de louvor dos heróis que fundaram a América. Os americanos evocam os heróis do passado como se esses fossem divindades. Em suma: para os americanos, a configuração social que alcançaram é fruto de um milagre. Um exemplo disso é a Constituição americana, admirada como se fosse escrita pelo próprio Deus. Essa superstição é a base dessa sociedade fragilizada pelos próprios ideiais que criou; uma sociedade que se escandaliza com acontecimentos da vida pública dos seus políticos e executivos e não se envergonha, por exemplo, com embargo econômico que direciona a Cuba ou às guerras violentas que defende.

Outro aspecto proclamado que me veio à mente é o ideal de liberdade criado como se fosse um mandamento celeste. Ou seja, a crença de que eles alcançaram uma sociedade perfeitamente livre cuja iniciativa individual não deve ser brecada ou encontrar obstáculos de qualquer ordem. É uma sociedade liberal, ausente de qualquer perspectiva coletivista. O único coletivismo que os americanos defendem é a unanimidade em afirmar a sua missão divina para governar o mundo. Obama disse algo assim no dia de ontem: “Estamos prontos, para mais uma vez, liderar o mundo”. Ou seja, tal afirmação possui subjancentemente o discurso da ética americana – de que eles possuem o modelo necessário, perfeito, responsável por guiar o mundo, por livrar o planeta inteiro de supostos inimigos. Trata-se com certeza de uma auto-consciência messiânica e remissora. Durante a “guerra contra o terror” promovida por Bush, ouviu-se a frase: “Quem não está do lado da América, está contra a América”. Dicotomizou-se o mundo em duas esferas: o bem e o mal, sendo que o bem era representado por aqueles que estavam ao lado dos americanos e o mal por aqueles que não eram pelos americanos.

Ao mesmo tempo em que se afirma algo dessa natureza, há o pensamento de que o mundo é perigoso, é bárbaro e espreitador da América. Segundo eles, em todo canto há hostilidades de toda sorte e, por isso, é legítimo o uso da força e do “power gun” (poder das armas). A limusine que transportava Obama era quase uma nave espacial mesclada com elementos de guerra. Falando sardonicamente, acredito que resistiria até a uma ataque nuclear – portava, por exemplo, sangue compatível com o de Obama; uma cabine oxigenada; blindagem capaz de suportar os mais potentes projetéis. Guardas treinados pela CIA andavam de um lado para outro com rádio, sobretudo preto, como num “matrix hollywoodiano”. Segurança militar por todos os lados – terrestre, aquática, áerea. Não duvido que houvesse radares espaciais apontados para qualquer lugar do planeta com o objetivo de neutralizar o ataque inimigo.

A eleição de Obama gerou uma espécie de comoção internacional. Um dos elementos responsáveis por quebrar os obstáculos e abrir as portas para Obama é o fato de ser um candidato de boa oratória, ter carisma, ter os holofotes da mídia sobre ele e ser negro. Ou seja, esses aspectos dão a ele um favor que o inclina como sendo uma nova espécie de herói. Em tempos de crise é comum os homens saírem à cata de heróis. E nesse sentido, elege-se aquele que outrora não detinha os atributos mais unânimes. A História dos EUA mostram isso. Os negros durante muito tempo foram vítimas históricas. Pode se afirmar que a questão racial ainda é um fator sério. Os negros ainda são menos favorecidos. Têm os piores empregos. São donos de rendas inferiores em relaçãos aos brancos. Moram em guetos. Mas o que é interessante é que a eleição serviu para apontar no espírito americano de que se vive numa sociedade onde o sujeito que luta, que se esforça é capaz de grandes feitos. É a capacidade de auto-promoção do sujeito, um dos fatores de louvor nesse momento. A individualidade constrói a coletividade e não o contrário. Para os americanos, a América só é grande porque a ação individual, o poder de iniciativa pessoal, é capaz de levantar a nação. Esta crença também é um dogma que traz patologias coletivas seríssimas. Os romanos também acreditavam que o império que construíram jamais seria vencido. O tempo mostrou que tudo o que é sólido, desmancha no ar.

O otimismo mundial será arrefecido pelo tempo. Virão os dias, que revelarão implacavelmente que Obama é apenas um homem e não uma divindade como se queria. Entendo que carisma racial é insuficiente para promover as mudanças de que o mundo necessita. Não falo em perspectivas catastrofistas ou alarmistas, mas penso que teremos o mais do mesmo. Os americanos continuarão com os seus dilemas, com suas “paranóias”de ordem coletiva. Ou seja, de como foram favorecidos pela divindade com uma História tão rica em feitos e acontecimentos simbólicos capazes de fazer dobrar o mundo.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: quarta-feira, 21 de janeiro de 2009, 16:22:15

3 comentários:

Carlinus disse...

Camarada,

o seu artigo fez-me lembrar um dia em que estávamos em sua casa e trouxeste-me uma entrevista com o Americanobrasileiro professor de Harvard Mangabeira Unger, também ex professor de Barack Obama. Nessa entrevista ele passava exatamente o que refletiste em teu artigo, a mistificação da democracia americana tal como Borges também expôs: superstição da democracia estadunidense. Mas essa perspectiva que vinha sendo construída desde a independência ganhou corpo, doutrina a partir do final da segunda guerra mundial, quando ela pode vislumbrar no lado “Diabo” que era o socialismo da União Soviética e o campo socialista, que ganhou o nome de Império do Mal. Voltando a Mangabeira, o professor de Harvard manifestava naquela entrevista certo deslumbramento com a democracia norteamericana e nem sequer submetia e nem indagava acerca do pensa o restante do mundo sobre a democracia americana. Numa perspectiva condicionada pela ambientação acadêmica de Harvard, nesse contexto, e, diante do Império Sedutor, o “mundo não pensa”, deve emular os benefícios da democracia estadunidense, transportá-la mecanicamente essa maravilha para o resto do mundo. Basta vermos Willian Waaçk, os articulistas dos grandes jornais burgueses para ver a que nível de subordinação intelectual chegou essa gente, após o Consenso de Wasghton, daí surgirem “jornalismos” como os que vemos no Brasil atualmente. Resta saber como continuará se comportando essa mistificação e superstição, quando hoje mais um banco norteamericano, quebrou, as filas de desemprego aumentando. Não estamos mais em 1930, quando a máquina da guerra deu energia, gordura e proteínas para o Império mandar e matar durante mais de 60 anos, desde o fim da segunda guerra. Esse cenário não existe mais, nem o campo socialista, hoje o mundo é multipolar. Penso que o seu artigo deve ser publicado no Boletim Carlos Marighela, pela agudeza da análise e oportunidade que o tema reflete.

Saudações Comunistas,

Luiz Fernando

Unknown disse...

Olá!
Adorei o artigo, me fez refletir muito... Quase tudo que está escrito eu já havia percebido, mas nunca havia parado para realmente pensar no assunto. É triste saber que os EUA fazem o mundo inteiro se curvar diante deles, como se fossem o centro do mundo. Falam tanto da liberdade de opinião e expressão, mas praticamente obrigam os outros países a pensar como e estar do lado deles.
De qualquer modo, parabéns pelo artigo!

Léo disse...

dá o numero da mega aí kk
Os americanos sempre fizeram isso. Cerca de 70 ou 80% do trafego de internet passa direto ou indiretamente por lá seja por empresas de buscas ou emails.
O que ocorre hoje é uma forma descarada de espionagem. Se observa que as autoridades americanas negam determinados fatos e logo depois afirmam que fazem sempre com a desculpa "em nome da paz mundial". kk