sexta-feira, setembro 14, 2012

O sarcasmo de Richard Dawkins - fantástico!

Não pude deixar de jubilar, de dar boas risadas quando li o trecho abaixo no livro Deus: um delírio, de Richard Dawkins. Dawkins, argumentador sarcástico, brinda-nos com uma construção sutil e zombeteira a respeito da presunção da verdade única e insofismável da maior parte das religiões. No caso em específico, Dawkins põe em foco o cristianismo e seus principais fundamentos. Belíssimo argumento. 

(...) "As conclusões de antropólogos só nos soam estranhas porque não nos são familiares. Todas as crenças religiosas soam estranhas para as pessoas que não foram criadas dentro delas. Boyer pesquisou o povo fang, de Camarões, que acredita 

que as bruxas têm um órgão interno extra, parecido com um animal, que sai voando à noite e arruina as plantações das pessoas ou envenena seu sangue. Também se diz que essas bruxas às vezes se reúnem para enormes banquetes, em que devoram suas vítimas e planejam ataques futuros. Muitos vão lhe dizer que um amigo de um amigo viu mesmo bruxas voando sobre o vilarejo à noite, montadas numa folha de bananeira e lançando raios mágicos contra vítimas inocentes. 

Boyer prossegue contando uma anedota pessoal: 

Estava mencionando essa e outras coisas exóticas num jantar numa faculdade de Cambridge quando um de nossos convidados, um teólogo proeminente de Cambridge virou-se para mim e disse: "É isso que torna a antropologia tão fascinante e também tão di-fícil. Você tem de explicar como as pessoas podem acreditar em tamanhos absurdos". Fiquei pasmo. A conversa já tinha mudado quando encontrei uma resposta pertinente — tinha a ver com chaleiras e bules. 

Pressupondo que o teólogo de Cambridge fosse um cristão normal, ele provavelmente acreditava numa combinação das seguintes coisas: 

• No tempo dos ancestrais, um homem nasceu de uma mãe virgem, sem nenhum pai biológico envolvido. 

• O mesmo homem sem pai clamou a um amigo chamado Lázaro, que estava morto havia tempo bastante para cheirar mal, e Lázaro imediatamente voltou à vida. 

• O próprio homem sem pai voltou à vida depois de ficar três dias morto e enterrado. 

• Quarenta dias depois, o homem sem pai subiu ao topo de uma montanha e depois desapareceu no céu. 

• Se você murmurar coisas dentro da sua cabeça, o homem sem pai, e seu "pai" (que também é ele mesmo), ouvirá seus pensamentos e pode tomar providências em relação a elas. Ele é capaz de ouvir simultaneamente os pensamentos de todas as pessoas do mundo. 

• Se você faz alguma coisa ruim, ou alguma coisa boa, o mesmo homem sem pai tudo vê, mesmo que ninguém mais veja. Você pode ser recompensado ou punido, inclusive depois de sua morte. 

• A mãe virgem do homem sem pai nunca morreu, mas "foi transportada" corporeamente para o céu. 

• Pão e vinho, se abençoados por um padre (que precisa ter testículos), "transformam-se" no corpo e no sangue do homem sem pai. O que um antropólogo objetivo que desse de cara com esse conjunto de crenças numa excursão de pesquisa em Cambridge pensaria delas?"

(Dawkins, Richard. Deus: um delírio. São Paulo. Companhia das Letras, 2007, 235-237)

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