quarta-feira, janeiro 29, 2014

G.K. Chesterton e "O homem que foi quinta-feira (um pesadelo)" - e outras coisas

Gilbert Keith Chesterton ou simplesmente G.K Chesterton foi um jornalista, teólogo, filósofo, provocador, romancista, polemista, apologeta do cristianismo, místico - ou tudo isso ao mesmo tempo. Sua figura descuidada o transformava em um cômico bonachão. Mas por trás desse muro amparentemente frágil estava um argumentador poderoso; um construtor habilidoso de paradoxos sensacionais; um grande pícaro que se desenredava com a agilidade de um acrobata de qualquer embaraço filosófico. São conhecidos seus debates públicos com sujeitos como Bernard Shaw ou H.G. Wells; este último, construtor de distopias assustadoras e ao mesmo tempo fascinantes; tais empreedimentos intelectuais de Wells com Chesterton tornaram-se um verdadeiro passatempo da vida nacional inglesa.

Era um prolífico escritor. Praticamente abordou "todos" os temas do seu tempo. Escreveu mais de cem livros. Lá no blog do Charlles, há uma resenha sobre um dos livros de Chesterton (que já comprei): A inocência do Padre Brown. Além de fazer menção à dívida do escritor argentino Jorge Luis Borges para com Chesterton, existe uma citação do autor de O livro de Areia sobre o escritor  inglês, encontrada na edição da L&PM: "A literatura é uma das formas de felicidade; talvez nenhum escritor tenha me proporcionado tantas horas felizes como Chesterton".

De Chesterton li apenas dois livros: Ortodoxia, apontado pelo mesmo Charlles e, o último, que terminei hoje, O homem que foi quinta-feira (um pesadelo). Não preciso de dizer que o estilo límpido, de uma celeridade inebriante, uma mobilidade de ações, um colorido de eventos que determinam um apego do leitor de forma incontinênti, prendeu-me até que devorasse as duzentas páginas da obra ontem e hoje. 

Caricatura de Chesterton
A história é prazerosa e repleta de lances irreais e simbólicos - um misto de suspense, mistério, romance policial e alegoria filosófico-teológica. Um policial amargurado por uma obstinação de infância, decide ingressar em uma organização supostamente criminosa de anarquistas. Sua intenção é muita clara - espicaçar os tentáculos da cepa de finórios, que cometia atentados contra a ordem com dinamites, também sendo conhecidos como "dinamiteiros". Após ter recebido o nome de Quinta-feira, passa a ser perseguido pelos membros da organização. Todavia, após ser perseguido por seis dos supostos criminosos, descobre que todos são agentes policiais disfarçados.

 
É na forma de conduzir o enredo, que percebemos a habilidade genial de Chesterton para contar uma história. Por exemplo, quando Syme (Quinta-feira) está sendo perseguido por um dos bandidos, que se transmudara em uma velha e decrépita criatura, somos conduzidos por labirintos asfixiantes. Por ruas vielas abandonadas e frias; por conduções desertas e com aspecto de desolação. Sentimos a agonia da própria personagem querendo escapar da presença do ente infernal. Para onde Syme ia, o velho amedrontador o seguia com sua bengala e sua postura de zumbi demoníaco. Até que este se revela a Syme e diz se tratar de um policial. 

Ecce Homo
O romance aborda uma série de problemas filosóficos - como já apontei. Entre eles, a obstinação que é capaz de nos cegar e nos transformar em autômatos, conduzidos para determinado desejo que, no fundo, se mostra desarrazoado; e também acerca da própria possibilidade de conhecermos alguma coisa, deixando-nos numa encruzilhada metafísica meio kantiana, meio platônica. É emblemática e salutar esta passagem do romance: 

"Mas escutem! - gritou Syme com extraordinária ênfase - Vou dizer-lhes qual é o segredo do mundo. É que do mundo só conhecemos as costas. Tudo é visto por trás, e por isso parece brutal. Isso não é uma árvore, mas as costas de uma árvore. Aquilo não é uma nuvem, mas as costas de uma nuvem. Não veem que tudo está voltado de costas e esconde o rosto? Se pudéssemos dar a volta e ficar de frente..."

Chesterton sabia contar uma história como ninguém. Possuía um controle da linguagem de forma incomum. Quem deseja ler um boa história - ou pelo menos, aprender como se constrói um bom romance - precisa ler o inglês. Ele morreu em 1936, mas deixou uma obra imorredoura que, aos poucos, começa a surgir por aqui em nosso país.

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