quarta-feira, fevereiro 26, 2014

A violência nossa de cada dia e o processo de desumanização em nossas cidades

"As condições de vida na cidade grande e moderna criam condições que e necessidades específicas de sensibilidade e comportamento". Georg Simmel

Esta semana aconteceu um fato que me deixou perplexo. Viver em uma grande cidade como Brasília ou outra capital brasileira, com tantos problemas sociais, vai nos insensibilizando. Lamento isso todos os dias. Tanto é assim que tenho conversado com a minha esposa sobre a possibilidade de mudarmos da cidade projetada para ser a Capital do Brasil. Trata-se de uma possibilidade que pode vir a grassar com o tempo. As grandes cidades tornaram-se em espaços geradores de apartação do outro. De desconhecimento daquilo que nos faz humanos. É um processo em que os indivíduos, que partilham da mesma sociedade com outros indivíduos, ignoram os direitos de seus semelhantes. Nessa sociedade causadora de patologias e, que vive sob o signo da violência, o outro, se necessário, não deve ser considerado enquanto sujeito. O que vale é a truculência. Assistimos a tudo isso no trânsito, quando caminhamos pela rua ou quando estamos no metrô, como testemunhei outro dia. 

Pego o metrô todos os dias para ir trabalhar e voltar para casa. A qualidade do metrô aqui em Brasília é bem incipiente e amadora. Às seis da tarde, tentar entrar em um dos vagões da composição é uma luta, dependendo da estação em que se estiver. Pois aconteceu que o vagão em que eu estava, se encontrava com a lotação máxima. Era praticamente impossível entrar ali. Um brutamontes retesou os músculos e tentou abrir caminho a força para tentar entrar. Quando fez isso, ele acabou pisando no pé de um rapazote, que admoestou o "pitiboy". Imediatamente este disse, não medindo as palavras nem levando em conta as pessoas que estavam ali: senhoras, mulheres, crianças. "Vai tomar no c*! Tá maluco, filho da p*!" Os demais passageiros ficaram a olhar, estapafúrdios. O interlocutor do esquizóide antropófobo murchou no mesmo instante. Recolheu-se. Entrou em si. Talvez tenha até se sentido culpado por ter feito uma reclamação branda. Ao ouvir e ver aquilo fiquei a mirar o troglodita com cara de lutador de MMA. Rapidamente, larguei o Chesterton que estava lendo e fiquei pensando como a vida em sociedade é capaz de gerar cenas medonhas como aquela. Como os homens estão bestializados. Não se trata apenas de falta de educação. É mais que isso. É fenômeno que está para além da escola. Trata-se de uma força pujante e invisível que gera esse processo de animalização xenófoba, como se fosse um gás venenoso e embriagador.

E esta semana (para voltar àquilo que deu início a esta reflexão apressada), outra cena de barbárie - e esta com resultados mais trágicos - aconteceu por aqui. Em certo shopping de Brasília, dois sujeitos com comportamento canino decidiram urinar em uma parede externa do estabelecimento. Foram admoestados por um professor de educação física, de 27 anos de idade, que acabou sendo espancado covardemente pelos dois desleais calhordas - um com 20 e outro com 21 anos de idade. Segundo informações, o professor está em estado grave em um hospital da cidade, com um dos lados do corpo paralisado. Esse fato não me deixou de fazer pensar sobre como vivemos um processo avançado de selvageria e barbárie. De fato, já experimentamos um processo profundo e preocupante de desumanização. Ser homem não implica, consequentemente, ser humanizado. A grande missão do nosso tempo é buscar a humanização. E ser humanizado é levar em conta, necessariamente, os direitos e a condição do outro como ser humano.

Leandro Konder fazendo referência a Walter Benjamin, diz que "os habitantes das grandes cidades vivem bombardeados por 'choques', sob o impacto de experiências mais ou menos violentas, e acabam ficando um tanto 'anestesiados' ou 'insensíveis'(...)". É justamente contra essa insensibilidade que temos que lutar todos os dias. Existe um descarte agressivo contra a vida humana. Contra o direito do outro. Contra a possibilidade de solidariedade e respeito àquilo que é do outro.Mantenhamo-nos humanizados - ou pelo menos, busquemos nos humanizar.

4 comentários:

Ramiro Conceição disse...

Prezado Carlinus, nas últimas semanas, tropecei cotidianamente na violência…
.
O primeiro tropeço:
foi um caso passional, que ocorreu aqui em Vitória: um dado gajo, tinha uma amante, fazia 15 anos!... Mas era casado e evangélico!… Ambas as famílias - do dito-cujo e da dita-outra - sabiam de tudo… O bicho era empresário e a sua, digamos, amada era gerente de relações internacionais, na empresa do empreendedor… De acordo com o noticiário, o cara de pau passou o réveillon com a família da dita mencionada: fotos no facebook, que não vi, parecem comprovar a festança… Pois bem, no final de janeiro, vai se saber o porquê, a outra metade decide terminar… Pediu demissão do emprego… Não deu outra: houve um encontro à discussão da relação (estou quase com um ataque de riso trágico, pois na véspera, do ocorrido, fora o aniversário do vencedor, que, acredite se quiser, Carlinus, postou no facebook declarações de amor eterno a oficial)… Pois bem, não é que, no meio da Terceira Ponte (a mais alta e bonita de Vitória), o tristonho injustiçado sacou um facão e fez picadinhos de seu amor que estava ao volante… O carro quase capotou… Zona total… O trânsito parou… E num instante, o fugitivo, avermelhado de amor não correspondido, saltou…: 50 metros… Ao encontro de Netuno… Caos total… Era a hora do rush… Mas, como sabemos, tudo é entretenimento: uma hora após a tragédia: fotos já estavam na internet; foram elaboradas por um enfermeiro do hospital, no qual a vítima, ainda com vida, gemia com um facão enterrado no pescoço… (Não vi tais fotos, pois não sou demente a tal ponto; contudo, meus alunos relataram-me tudo).
.
O segundo tropeço:
de novo, outro crime passional: uma mulher separada, resolveu matar por envenenamento a filha, de 5 anos, por vingança do ex, que tentava conseguir a guarda da criança… O enredo se repetiu, Carlinus: a assassina pegou um taxi, de tal maneira que teria de passar na Terceira Ponte… E lá, no meio, no vão mais alto, obrigou o motorista a parar (não faço ideia como) … E saltou…

Ramiro Conceição disse...


O terceiro tropeço:
este menos trágico porque, afinal, foi apenas ideológico; contudo, tenho a plena certeza que está na raiz dos outros dois terríveis, anteriormente mencionados: como deve ser do seu conhecimento, o STF considerou que não houve quadrilha no mensalão… Pois bem, considerei tal decisão alvissareira, diante da dimensão de descalabros que foram cometidos em tal julgamento histórico, mas de exceção; isto é, sem dúvida, sim, houve um crime – o de caixa 2 – que tem acontecido em toda a história da República; e que maculará para sempre a trajetória do PT (deixo claro, desde já, que fui um dos pterodátilos que ajudou na fundação dum núcleo do partido, na Epusp, em 1980; e que sempre fui eleitor do Genoino; portanto, meu emocional, desde o início do escândalo, ficou repleto de tristeza ). Mas voltando ao tema. Logo que soube da notícia do STF, meu coração começou a ruminar um poema… Não deu outra: elaborei uma sátira, a partir do “E agora José” do Drummond, que denominei “NÃO ERA QUADRILHA”. Surpreendentemente, feito um relâmpago, o redigi e publiquei nos blogs do Milton Ribeiro e do Charlles Campos. Mas… Não é que um gaiato admirador de Mishima, que vive na América do Norte e metido a besta, resolveu me tirar um sarrinho… Ah…, não deu outra…: mandei-lhe dois cruzados de ESQUERDA!… Que, finalizando, se você me permitir aqui, em seu blog, publico a seguir…


PEDREGULHOS
by Ramiro Conceição
.
.
Do porquê das pedras caladas
surgiu a arte de classificá-las.
.
Porém,
o problema aumenta quando elas resolvem pensar:
um rochedo e um pedregulho, bípedes, no silêncio,
por exemplo, são parecidíssimos.
.
Portanto…É imperativo que os rochedos cantem
antes dos pequenos voadores sobre os telhados.
.
.
.
ÉTICA DO TERROR
by Ramiro Conceição
.
.
O que vem a ser
um terrorista que
se mata, a matar?
.
Só pode ser alguém que acreditou  em psicopatas,
que não se matam, mas que o fizeram ser ninguém:
não aquele homérico, porém aquele outro morto em uma viela
de uma favela brasileira ou em um mercado público de Bagdá,
ou aquele triste escritor, que se matou num longínquo janeiro,
japonês.
.
Tais seres devem pensar e sentir coisas tais:
.
“O que é tão horrível em vísceras expostas? Por que cobrimos os olhos, aterrorizados, quando vemos as tripas de um ser humano? Por que as pessoas ficam chocadas ao ver o sangue jorrando? Por que os intestinos de um homem são feios? Não é, exatamente, da mesma qualidade da beleza de uma pele jovem e resplandecente?”
.
Pois bem, essa é a ética da morte, na qual
a vida é uma COISA estranhamente volátil.
E aqui não se está a tratar de medicina.


Carlinus disse...

É uma honra ter seus poemas por aqui, Ramiro. Sempre que quiser postar, não se acanhe. Sente a pua. As descrições dos fatos feitas por você, deixaram-me com um misto de enjoo e repugnância. O homem citadino é cada dia mais "selvagem". Estamos regredindo ao estado de natureza. "[essa] a ética da morte, na qual a vida é uma COISA estranhamente volátil".

Abraços, Ramiro!

Ramiro Conceição disse...

Grato, Carlinus...

Abraços, também