domingo, fevereiro 02, 2014

Rosa Luxemburgo - algumas palavras

"Ser humano significa lançar, se for preciso, toda sua vida, alegremente, 'sobre grande balança do destino' [Goethe], mas, ao mesmo tempo, alegrar-se com cada dia de sol, com cada bela nuvem". 
Rosa Luxembugo, in Carta a Mathilde Wurm, Wronke, 28 de dezembro de 1916

Rosa Luxemburgo ainda é pouco conhecida em nosso país. A efervescência elétrica de suas ideias e sua atuação militante são ainda desconhecidas por muitas pessoas interessadas no pensamento político do século XX. Rosa tem um importância capital para as ações, principalmente, que começaram a ser gestadas a partir de sua morte, em 1919, na Alemanha. Caso tivesse obtido resultado positivo a Revolução Alemã, de 1918, talvez o mundo não tivesse conhecido um flagelo demente como Hitler.

Analisando a vida de Rosa a partir da leitura do livro Rosa Luxemburgo - Vida e obra, de Isabel Maria Loureiro - uma das grandes autoridades brasileiras no pensamento da filósofa e revolucionária -, é possível atestar o dinamismo revolucionário da polonesa, que se tornou doutora aos dezenove anos de idade; casou-se com um alemão como estratégia para conseguir a cidadania alemã para participar dos embates do momento histórico daquele país completamente esfacelado, humilhado e dilacerado pela guerra ; que não fugia de participar ativamente dos embates da luta pelo comunismo na Europa nas duas primeiras décadas do século XX. 

Rosa era uma mulher de uma sensibilidade profunda. Lendo uma de suas cartas, encontradas no livro de Isabel Loureiro, pude perceber o quanto a fundadora do Partido Comunista Alemão possuía uma intuição poética rara. A carta foi escrita à sua amiga Sonia Liebknecht, pela ocasião do Natal de 1917. Rosa estava presa. Todavia, os seus sentidos estavam despertos e livres: ela nota o pigarro do guarda, que "dá alguns passos lentos para desentorpecer as pernas". Ela diz que o momento era singular, estando "deitada", "sozinha", "enrolada nos véus negros das trevas", "do tédio", "da falta de liberdade", "do inverno". Todavia, ela sentia uma alegria incomensurável; e ficava perscrutando, à cata de explicações para aquilo que sentia; e não encontrava nada; o sorriso tinha que ser dirigido para algum lugar e ela acabava rindo de si mesma.

Outra descrição de lhana beleza é reflexão que ela faz dos sofrimentos de alguns búfalos que foram trazidos da Romênia e que perderam a liberdade, assim como ela. Ela escreve assim: 

"Outro dia, chegou uma dessas carroças, puxada não por cavalos, mas por búfalos. Era a primeira vez que via esses animais de perto. São mais fortes e maiores que nossos bois, têm cabeça chata, chifres recurvados e baixos, o que faz com que sua cabeça, inteiramente negra, de grandes olhos meigos, se pareça com as dos nossos carneiros. Originários da Romênia são um troféu de guerra... Os soldados que conduziam a carroça diziam ser muito difícil capturar esses animais selvagens e ainda mais difícil utilizá-los para carregar fardos, pois estavam acostumados à liberdade. [...] Há alguns dias, portanto, entrou no pátio uma dessas carroças cheias de sacos. A carga era tão alta que os búfalos não conseguiam transpor a soleira do portão. O soldado que os acompanhava, um tipo brutal, pôs-se a bater-lhes de tal maneira com grosso cabo do seu chicote que a vigia da prisão, indignada, perguntou-lhe se não tinha pena dos animais. [...] Os animais deram finalmente um puxão e conseguiram transpor o obstáculo, mas um deles sangrava... [...] Durante o descarregamento, os animais permaneciam imóveis, esgotados, e um deles, o que sangrava, olhava em frente com uma expressão no rosto negro e nos meigos olhos de criança em prantos. Era exatamente a expressão de uma criança que foi severamente punida e que não sabe por qual motivo nem porque, que não sabe como escapar ao sofrimento e a essa força brutal... Eu estava diante dele, o animal me olhava, as lágrimas saltaram-me dos olhos, eram as suas lágrimas. Ninguém pode ficar mais mais dolorosamente amargurado com a dor de um irmão querido do que eu, na minha impotência, com esse sofrimento mudo. Quão longe, inatingíveis, perdidas as pastagens da Romênia, suculentas e verdades, belas e livres! Como tudo era diferente, o Sol que brilhava, o vento soprando, os belos cantos dos pássaros e o melodioso chamado do pastor. E aqui, esta cidade estrangeira, horrível, o estábulo sombrio, o feno mofado, repugnante, misturado com a palha apodrecida, os homens desconhecidos, assustadores, e as pancadas, o sangue que corre da ferida aberta... Oh! meu pobre irmão querido, aqui estamos os dois impotentes e mudos, unidos na dor, na impotência, na saudade".
Rosa discursando para operários

Talvez, aqui, Rosa pressagiasse em dimensões mais atordoantes os sofrimentos as quais os nazistas impingiriam aos judeus nos campos de concentração. Talvez, o búfalo sirva de metáfora para todos aqueles que padeceram com os vários e diabólicos totalitarismos inexplicáveis e injustificados. Penso que percepção de Rosa no contemplar desse evento com o búfalo, declare aquilo que foi a sua vida. Hannah Arendt em seu livro Homens em tempos sombrios, cuja finalidade é estudar a personalidade de homens notórios, diz que existem inúmeros "mitos" e "lendas" em torno da figura emblemática de Rosa Luxemburgo. "Entretanto, o que não cresceu foi uma outra lenda - a imagem sentimentalizada da observadora de pássaros e amantes de flores, uma mulher de quem os carcereiros se despediam com lágrimas nos olhos, ao deixar a prisão como se não pudessem continuar a existir sem se entreterem com essa estranha prisioneira que insistira em tratá-los como seres humanos".

O socialismo de Rosa primava pela autogestão das massas. Para ela, a experiência histórica é o único mestre a que se deve prestar atenção. E esse mestre nunca falha. Ou seja, as massas aprendem com seus próprios equívocos, avanços e recuos; o movimento dialético dita a ação a ser tomada. Rosa, nesse sentido, destoa do centralismo leninista, que entendia que as decisões da ditadura do proletariado brotavam do núcleo duro do partido. Rosa, por sua vez, defendia um "socialismo conselhista". A burocracia do partido criava uma torre de prepotência por parte de alguns líderes metidos a supostos revolucionários. E aqui cabe uma pergunta: o que ela diria do stalinismo? 

Todavia, a luta pelo socialismo na Alemanha não foi fácil. Grupos paramilitares e reacionários brotavam como erva daninha. Entre eles se sobressaíam os ultranacionalistas e clandestinos Freikorps, cujos principais líderes foram cooptados por Hitler para formar sua tropa canina particular, a SS. Rosa foi detida e covardemente assassinada em janeiro de 1919, juntamente com o seu companheiro de luta Karl Libknecht. Seu corpo foi jogado em um rio das proximidades. Todavia, os restos mortais de Rosa foram encontrados somente em julho daquele mesmo ano. A morte Rosa e a impossibilidade de construção do socialismo na Alemanha, representa a vitória do nazismo de Hitler.

Analisando a epígrafe com a qual abri este texto magro, entendo, a partir da leitura que fiz do texto de Hannah Arendt e Isabel Loureiro, que Rosa Luxemburgo era uma mulher de espírito livre. Ela poderia ter abraçado qualquer causa. Costumava dizer sobre si mesma, como quem dá um sorriso meio sério, meio de brincadeira, que nascera para "cuidar dos gansos". Ela mesma era uma "águia", como Lênin a denominava. E assim, sentiu-se atraída pelo socialismo que, segundo ela, criava a necessidade de "autodisciplina interior, maturidade intelectual, seriedade moral, senso de dignidade e de responsabilidade, todo renascimento interior do proletário". Ainda dando continuidade a esse pensamento, ela entendia que "com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo". Refletindo sobre essas palavras - e analisando a situação atual do nosso país - quão aquém estamos dessa realidade A existência sob o capitalismo, tal qual vivemos, embrutece-nos, cerceia a capacidade da solidariedade; fragmenta o nosso zelo moral e nos torna em cínicos individualistas. Os movimentos que vemos se arrastando pateticamente pelas ruas desde junho do ano passado são, na verdade" caricaturas de revolução. Uma coletividade cínica, individualista, sem conteúdo, sem programa ideológico, gera apenas ativismo inconsequente, sem sequer, fazer cócegas sistema que se mostra cada vez mais sólido.

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