quinta-feira, março 20, 2014

Mais um livro de José Lins do Rego - "Pureza"

Mais uma vez, com grande entusiasmo, terminei um livro de José Lins do Rego. É um vício ler a prosa do escritor paraibano. Sua forma peculiar, sempre instigando, sempre provocando o leitor a continuar por horas a fio até concluir o texto de linguagem simples - às vezes descuidada -, repleto de idiossincrasias típicas do homem nordestino, é grande empreendimento. Seu ciclo da cana-de-açúcar é um dos mais belos panoramas da literatura brasileira. É necessário lê-lo para compreender um pouco mais o nosso país de história tão povoada por mandos e desmandos; pela ganância "dos grandes" e resignação débil "dos pequenos". 

José Lins não era um escritor complexo, capaz de criar enredos cujo tecido fosse repleto por camadas grossas. Com isso, não quero dizer que sua obra seja pequena - pelo contrário. A argamassa para construção de sua obra era tirada da memória, das vivências, daquilo que ouviu, sentiu. Das relações que teve no Engenho do Pilar. Da observação dos moleques do eito. Da gente pobre que se arrastava no corte de cana; na plantação da lavoura; nas crendices e superstições que serviam para aliviar as dores da materialidade. Aquilo que não se vivia desse lado da vida, era esperado no outro lado, em outra existência por pessoas simples. Estou apenas a dizer que ele conseguiu desenhar um belíssimo quadro ficcional a partir de sua memória. E com isso, legou-nos um tratado sociológico e histórico de uma das mais importantes regiões brasileiras - o Nordeste.

Mas o fato é que agora, eu acabei saindo do cenário dos canaviais, do cangaço e da religiosidade, como pode ser atestado em romances como Usina, Cangaceiros e Pedra Bonita. Li o rápido, mas lancinante Pureza. O livro foi escrito em 1937, logo após o último livro do ciclo da cana-de-açúcar - Usina. Ao concluir o ciclo restou uma curiosidade aos admiradores de sua prosa. O mundo literário assistiu a um dilema. O que sairia como matéria literária, já que o escritor escrevera cinco livros, com exceção de O moleque Ricardo, que possui a preocupação de um espaço urbano, mas sem deixar de lado as reminiscências do engenho, sobre o mesmo tema - os engenhos de açúcar.

Com Pureza José Lins demonstra a sua habilidade para contar uma história. Para amarrar a narrativa, demonstrando a capacidade de dar nós a fim de tornar tudo muito justo, certo, como em todos os romances anteriores a Pureza. Enquanto nos cinco primeiros livros, José Lins havia se preocupado em narrar a paisagem exterior dos engenhos, em Pureza, o mergulho é psicológico. O livro foi publicado bem próximo a Angústia, de Graciliano Ramos, que fora publicado um ano antes. Zé Lins deve ter estabelecido um contato com a história de Luis da Silva, personagem principal da obra de Graciliano. Os dois personagens são tipos fracos. Vivem à sombra de algo. A vontade para algo é sempre detida pela irresolução e pela covardia. A diferença se estabelece no modo de contar cada uma das histórias. Graciliano cria um espaço sufocante, asfixiante, onde podemos ouvir os ecos vindos dos grandes escritores russos, principalmente Dostoiévski; já Zé Lins busca criar um espaço mais bucólico, cuja natureza bela, de ventos pródigos, de rios marulhosos, é contrastada pelo atraso do lugar e pelo aspecto imoral de viver da personagem principal. Pureza é um idílio, mas a relação da personagem é de parasita de duas jovens, Margarida e Maria Paula. Lourenço de Melo nos faz lembrar do Carlos de Melo de Bangue. Amazia-se primeiramente com Margarida, depois fica com a irmã Maria Paula, mas não possuia força moral para assumi-la. Queria apenas desfrutá-la fisicamente. Beber da seiva que o corpo de Maria Paula era capaz de produzir. 

Agora, faltam apenas três romances para eu completar a leitura de sua obra - Água-mãe, Eurídice e Riacho Doce. Sigamos.


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