quinta-feira, fevereiro 05, 2015

"Surpreendido pela Alegria", de C.S. Lewis. Observações da terceira leitura


"O universo se mostra fiel sempre que você o testa com justiça" C.S. Lewis

Foi uma experiência singular voltar a ler esse livro. Fi-lo como alguém que deixa a sua terra e volta a visitá-la depois de muitos anos. Ele olha as paisagens tão comuns e esquecidas e procura encontrar ali os fiapos das experiências pretéritas. E, após muito andar sem compromisso, analisando a paisagem despretensiosamente, abre os lábios, deixando escapar um sorriso saudoso e tímido de complacência por aquilo de bom que viveu. Durante muito tempo o procurei. Havia em mim uma disposição sôfrega para encontrá-lo. Li-o pela primeira vez em 2002 ou 2003. Naquela ocasião, fiz a leitura por duas vezes seguidas, dada era a minha paixão. A primeira leitura havia gerado uma impressão doce, habitada por disposições hedônicas. O livro me mostrara um mundo em que a promessa, após a caminhada pelas trilhas indeléveis da literatura, seria a ventura do bom sentir, do bom enxergar. Li-o novamente no mesmo ano. Penso que a diferença entre uma leitura e outra tenha sido de um mês, buscando sentir os mesmos efeitos produzidos na primeira leitura. 

Saí do seminário em 2005. Mas a lembrança da prosa lewiseana ficou em minha mente. O livro editado pela Editora Mundo Cristão rapidamente se esgotara. A primeira e única edição (parece-me) saiu em 1998. Há alguns meses atrás consegui achá-lo em PDF e grande foi o meu entusiasmo. Não hesitei em lê-lo. Consegui ler as suas mais de duzentas páginas na tela do computador em pouco mais de quinze dias. 

O que existe de tão elementar, de tão relevante neste livro? Não é necessariamente a importância o mote obra, pois trata-se de um relato de conversão ao cristianismo por parte de C.S. Lewis - embora, haja a informação de que foi um dos relatos autobiográficos mais lidos do século XX. A grandeza do livro, ao meu modo de ver, está na prosa lewiseana, ou seja, no modo leve e elegante com que a história é contada.
Lewis narra a história da sua vida, desde os dias mais tenros da infância na Irlanda, até o momento em que, já adulto, converte-se à fé cristã. Essa experiência acontece quando Lewis já era o grande catedrático de Oxford. Apesar de esse ser o grande momento do livro para o qual todos os pontos referenciais direcionem, penso que o que me fisga nesse livro é a narração do grande amor de C.S. Lewis pelos livros. Recordo-me que quando li Surpreendido pela Alegria pela primeira vez, a obra me chamou a atenção para duas coisas: a leitura e a música. Lewis cresceu em meio aos livros e, mais tarde, na adolescência, o autor de As crônicas de Nárnia, encontrou o caminho da mitologia; a segunda questão foi a descrição da paixão que ele sentia pela música de Richard Wagner. No livro, ele não explica o porquê de sua paixão pela música wagneriana, mas penso que esteja ligado ao fato de que o compositor utiliza em suas óperas os temas mitológicos os quais Lewis tanto amava.

Ao ler uma afirmação como esta "Nas tardes de sábado, no inverno, quando o nariz e os dedos podem ficar gelados o bastante para garantir um sabor a mais ao antegozo do chá e da lareira, tendo ainda à frente toda a leitura do final de semana, acho que eu alcançava tanta felicidade quanto se pode alcançar nesta terra. Especialmente se houvesse algum livro novo e longamente cobiçado à minha espera" (p. 153), sentia-me visitado por uma inominável felicidade. Eu não descobri a música wagneriana. Foi por essa época, por sua vez, que encontrei a música de Beethoven. Ficava enfeitiçado cada vez que escutava "A Pastoral" do compositor alemão. Aprendi os lances contemplativos. Acredito que essa diposição já morava em mim, todavia, ao ler o livro de Lewis e conhecer a "Pastoral", passei a entender que na natureza moram poemas não escritos e mistérios não revelados. A natureza é um dos grandes elementos presentes no livro - por exemplo, quando Lewis passa longas horas caminhando pelas cercanias; a descrição do mar entre a Inglaterra e a Irlanda; a preocupação que Lewis tem em nos relevar como eram os campos e as montanhas e seu séquito multifacetado de árvores e arbustos variados.

O livro está repleto pelo recato e pelo humor inglês. Lewis, um sujeito que passou boa parte da sua vida sozinho, olha para trás e analisa com bastante leveza e um toque fino de ironia os momentos agradáveis e difíceis de sua vida. Embora gaste dois capítulos para mostrar ao leitor o labirinto filosófico em que havia se metido até ser convencido de que o deus do cristianismo era a grande Alegria que ele passara a vida inteira procurando, penso que o momento mais bonito é aquele em que o escritor narra a sua amizade com Arthur, o que acabou ensinando a Lewis a capacidade de prestar atenção às coisas simples. Um intelectual não precisa ser necessariamente complexo ou hermético para ser respeitado ou reconhecido pela sua erudição. Precisa antes de tudo ser singelo e perceber a complexidade do mundo nas pequenas coisas que o cerca. Transformar essas paisagens invisíveis em um belo quadro para que todos vejam. É, por meio dessa confissão, que Lewis admite ter lido "os Brontës", todos "Janes Austens" etc. 

Outro importante afirmação é a amizade que Lewis desenvolveu com J.R.R. Tolkien. Pelas palavras utilizadas por Lewis, Tolkien parece ter sido um sujeito bastante risonho e tranquilo. Vale mencionar ainda o respeito de Lewis à prosa de G.K. Chesterton. Inclusive, vale mencionar que Chesterton contribuiu de forma significativa para que Lewis se rendesse à fé cristã. 

Foi curioso ter lido esse livro pela terceira vez. Analisando-o, como disse no início, acredito que ele tenha sido fundamental para a solidificação dessa porção romântica do meu ser. É justamente isso que visualizo quando leio essa obra. E, novamente, um riso frouxo derrama-se pelos meus lábios... Seria a alegria que surge quando testamos o universo com justiça? E novamente Lewis me ensina que é possível encontrar a alegria, mesmo em mundo em que os homens estão afeitos ao caos e à selvageria. Existe no cosmos um potencial de felicidade.

2 comentários:

charlles campos disse...

Que presente me destes me revelando este livro. Não se acha para comprá-lo, por isso tive que o baixar em pdf.

Valeu, amigo. O cristianismo é o único meio de salvar o homem.

Carlinus disse...

Que bom que você se interessou, Charles! Espero que você goste!

Depois gostaria de ter a sua opinião sobre o livro.