"O
universo se mostra fiel sempre que você o testa com justiça" C.S. Lewis
Foi uma experiência singular voltar a ler esse
livro. Fi-lo como alguém que deixa a sua terra e volta a visitá-la depois de
muitos anos. Ele olha as paisagens tão comuns e esquecidas e procura encontrar
ali os fiapos das experiências pretéritas. E, após muito andar sem compromisso,
analisando a paisagem despretensiosamente, abre os lábios, deixando escapar um
sorriso saudoso e tímido de complacência por aquilo de bom que viveu. Durante
muito tempo o procurei. Havia em mim uma disposição sôfrega para encontrá-lo.
Li-o pela primeira vez em 2002 ou 2003. Naquela ocasião, fiz a leitura por duas
vezes seguidas, dada era a minha paixão. A primeira leitura havia gerado uma
impressão doce, habitada por disposições hedônicas. O livro me mostrara um
mundo em que a promessa, após a caminhada pelas trilhas indeléveis da
literatura, seria a ventura do bom sentir, do bom enxergar. Li-o novamente no
mesmo ano. Penso que a diferença entre uma leitura e outra tenha sido de um mês,
buscando sentir os mesmos efeitos produzidos na primeira leitura.
Saí do seminário em 2005. Mas a lembrança da
prosa lewiseana ficou em minha mente. O livro editado pela Editora Mundo
Cristão rapidamente se esgotara. A primeira e única edição (parece-me) saiu em
1998. Há alguns meses atrás consegui achá-lo em PDF e grande foi o meu
entusiasmo. Não hesitei em lê-lo. Consegui ler as suas mais de duzentas páginas
na tela do computador em pouco mais de quinze dias.
O que existe de tão elementar, de tão relevante
neste livro? Não é necessariamente a importância o mote obra, pois trata-se de
um relato de conversão ao cristianismo por parte de C.S. Lewis - embora, haja a
informação de que foi um dos relatos autobiográficos mais lidos do século XX. A
grandeza do livro, ao meu modo de ver, está na prosa lewiseana, ou seja, no
modo leve e elegante com que a história é contada.
Lewis narra a história da sua vida, desde os dias
mais tenros da infância na Irlanda, até o momento em que, já adulto,
converte-se à fé cristã. Essa experiência acontece quando Lewis já era o grande
catedrático de Oxford. Apesar de esse ser o grande momento do livro para o qual
todos os pontos referenciais direcionem, penso que o que me fisga nesse livro é a
narração do grande amor de C.S. Lewis pelos livros. Recordo-me que quando li Surpreendido pela Alegria pela primeira
vez, a obra me chamou a atenção para duas coisas: a leitura e a música. Lewis
cresceu em meio aos livros e, mais tarde, na adolescência, o autor de As crônicas de Nárnia, encontrou o
caminho da mitologia; a segunda questão foi a descrição da paixão que ele
sentia pela música de Richard Wagner. No livro, ele não explica o porquê de sua
paixão pela música wagneriana, mas penso que esteja ligado ao fato de que o
compositor utiliza em suas óperas os temas mitológicos os quais Lewis tanto
amava.
Ao ler uma afirmação como esta "Nas tardes
de sábado, no inverno, quando o nariz e os dedos podem ficar gelados o bastante
para garantir um sabor a mais ao antegozo do chá e da lareira, tendo ainda à
frente toda a leitura do final de semana, acho que eu alcançava tanta
felicidade quanto se pode alcançar nesta terra. Especialmente se houvesse algum
livro novo e longamente cobiçado à minha espera" (p. 153), sentia-me
visitado por uma inominável felicidade. Eu não descobri a música wagneriana.
Foi por essa época, por sua vez, que encontrei a música de Beethoven. Ficava
enfeitiçado cada vez que escutava "A Pastoral" do compositor alemão.
Aprendi os lances contemplativos. Acredito que essa diposição já morava em mim,
todavia, ao ler o livro de Lewis e conhecer a "Pastoral", passei a
entender que na natureza moram poemas não escritos e mistérios não revelados. A
natureza é um dos grandes elementos presentes no livro - por exemplo, quando
Lewis passa longas horas caminhando pelas cercanias; a descrição do mar entre a
Inglaterra e a Irlanda; a preocupação que Lewis tem em nos relevar como eram os
campos e as montanhas e seu séquito multifacetado de árvores e arbustos variados.
O livro está repleto pelo recato e pelo humor
inglês. Lewis, um sujeito que passou boa parte da sua vida sozinho, olha para
trás e analisa com bastante leveza e um toque fino de ironia os momentos
agradáveis e difíceis de sua vida. Embora gaste dois capítulos para mostrar ao
leitor o labirinto filosófico em que havia se metido até ser convencido de que
o deus do cristianismo era a grande Alegria que ele passara a vida inteira
procurando, penso que o momento mais bonito é aquele em que o escritor narra a
sua amizade com Arthur, o que acabou ensinando a Lewis a capacidade de prestar
atenção às coisas simples. Um intelectual não precisa ser necessariamente
complexo ou hermético para ser respeitado ou reconhecido pela sua erudição.
Precisa antes de tudo ser singelo e perceber a complexidade do mundo nas
pequenas coisas que o cerca. Transformar essas paisagens invisíveis em um belo
quadro para que todos vejam. É, por meio dessa confissão, que Lewis admite ter
lido "os Brontës", todos "Janes Austens" etc.
Outro importante afirmação é a amizade que Lewis
desenvolveu com J.R.R. Tolkien. Pelas palavras utilizadas por Lewis, Tolkien
parece ter sido um sujeito bastante risonho e tranquilo. Vale mencionar ainda o
respeito de Lewis à prosa de G.K. Chesterton. Inclusive, vale mencionar que
Chesterton contribuiu de forma significativa para que Lewis se rendesse à fé
cristã.
Foi curioso ter lido esse livro pela terceira
vez. Analisando-o, como disse no início, acredito que ele tenha sido
fundamental para a solidificação dessa porção romântica do meu ser. É
justamente isso que visualizo quando leio essa obra. E, novamente, um riso
frouxo derrama-se pelos meus lábios... Seria a alegria que surge quando
testamos o universo com justiça? E novamente Lewis me ensina que é possível
encontrar a alegria, mesmo em mundo em que os homens estão afeitos ao caos e à
selvageria. Existe no cosmos um potencial de felicidade.
2 comentários:
Que presente me destes me revelando este livro. Não se acha para comprá-lo, por isso tive que o baixar em pdf.
Valeu, amigo. O cristianismo é o único meio de salvar o homem.
Que bom que você se interessou, Charles! Espero que você goste!
Depois gostaria de ter a sua opinião sobre o livro.
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