Serge, interpretado por Fabrici Luchini, em Pedalando com Molière |
Somente agora, tendo chegado ao mês de março, que farei o meu relatório dos filmes que vi no mês de janeiro. No mês de janeiro eu viajei para o Nordeste. Lá fiquei por quinze dias. Período de descanso. Momento de rever amigos, parentes; de visitar locais que foram abandonados, mas que moram aqui dentro como paisagens recorrentes e apaixonadas. Sou um homem habitado por paisagens e fragrâncias. No meu corpo estão tatuadas as memórias que funcionam como espelhos. Elas são portas por onde entro e me vejo como criança, imergindo em um passado que se faz sempre presente. As imagens são bandeiras tremulantes, sempre a indicarem a vitória de um exército chamado saudade (sei, no fundo, é piegas). Visitei o Rio Grande do Norte, a Paraíba e o meu Pernambuco querido.
Mesmo com esse período de viagem, ainda consegui assistir a oito filmes. Os destaques ficam por conta de Pedalando com Molière (2013), Efeito Borboleta (2004), Segunda-feira ao sol (2002), Festa de família (1998) e o Filho da Noiva (2001). Numa segunda renque, ficam Trotski, a revolução começa na escola (2009), O mesmo amor, a mesma chuva (2000) e Tatuagem (2013).
Principio falando daqueles que ficaram secundarizados. Trotski, a revolução começa na escola é uma produção canadense. É uma comédia incipiente. Busca retratar a história de um jovem que se acha a encarnação do revolucionário russo. Achei-o meio bobo. Em O mesmo amor, a mesma chuva, produção argentina, o onipresente Darín encena um romance com Soledad Villamil. Dos filmes argentinos vistos por mim recentemente, achei que esse ficou bem aquém da boa e sólida filmografia do país. Já Tatuagem é uma produção ousada do cinema pernambucano e traz o polivalente Irandhir dos Santos, uma das grandes revelações do cinema brasileiro dos últimos anos. O filme é visceral e cru em sua proposta. Somente vendo para entender o que digo.
Penso que o filme que mais me chamou a atenção no mês de janeiro foi Efeito Borboleta, embora a maviosidade de O filho da noiva, tenha me tocando fundo. Efeito Borboleta, dos irmãos Eric Bress, J. Mackye Gruber, cuja fama eu havia escutado apenas por comentários esparsos, é daqueles filmes que deixam a gente impressionado pela sua proposta filosófica. O filme aborda em linhas gerais a seguinte questão: por que eu tenho esta vida e não outra? E se eu tivesse feito outras escolhas, como seria a minha vida, aonde eu estaria? E se naquele dia eu não estivesse naquele lugar? E se eu não tivesse me decidido por realizar determinadas ações e não as que realizei e tenho realizado? A obra é rica em reflexões filosóficas, sendo que o seu fulcro epistemológico é a teoria do caos. A outra obra, como aludi acima, é o sensível O filho da noiva, um filme que mostra um Darín fantástico. Um dos grandes filmes argentinos realizados até hoje.
Vale mencionar ainda Festa de família, do dinamarquês Thomas Vintenberg, uma das primeiras realizações do manifesto chamado de Dogma 95, que teve também Lars von Trier como signatário. O filme possui uma revelação espetacular. A família se reúne para uma comemoração. Quando todos seus fartos ramos familiares se reúnem com amigos, filhos, netos, o primogênito revela que foi abusado sexualmente pelo pai. Um mal-estar coletivo toma proporções impensadas. Excelente filme.
Segunda-feira ao sol, do diretor espanhol Fernando León de Aranoa, é outra boa película. A obra, que traz Javier Bardem no papel principal, faz uma reflexão amarga sobre a crise econômica europeia e como esta traz os seus efeitos deletérios sobre a estima de um grupo de desempregados espanhois. Numa sociedade de consumo, quanto vale um homem que não pode consumir, que não pode vender a sua força de trabalho? O capitalismo gera crises profundas na alma daqueles que não podem participar da sua dança. E não poder dançar, significa sofrer a estigmatização social e uma auto-mutilação psicológica. Aranoa também fez Nos guetos de Madri (1998), outra película que quero ver.
A comédia amarga Pedalando com Molière é uma delícia. Recordo-me que vi esse filme no cinema, quando da sua estreia em 2013. Resolvi vê-lo novamente por conta da atuação de Fabrici Luchini que, no filme, faz o personagem Serge. O filme é estudo sobre a alma humana. Ou seja, até que ponto a vaidade humana pode crescer em um sujeito. Além de ser muito divertido, tendo fortes doses de simulação teatral, Serge é o alter-ego de O Misantropo, do dramaturgo Molière. O personagem funciona como uma metáfora metalinguística para a obra. Muito bom esse filme francês.
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