terça-feira, maio 29, 2018

A culpa pela crise

A situação de crise pela qual o Brasil passa exige mais que uma reflexão. É necessário fazer um balanço apurado, sensato, acurado dos atores e do contexto em que eles estão metidos. Um governo fraco, ilegítimo, aviltado pela própria condição intrínseca de que dispõe, não consegue sair do atoleiro. 

A greve dos caminhoneiros escancarou um problema sério do pacto social brasileiro. Vivemos em um país frágil, com uma população perdida no próprio transe da exploração. Nossa história prova o quanto somos alienados de todos os processos. O quanto que os mandatários do país foram responsáveis pela criação de determinadas narrativas, impedindo o acesso dos amplos setores de desfavorecidos à dignidade. 

Em momentos como este que vivemos, em que notamos o tensionamento de forças sociais, percebemos o quanto a política de espoliação da coisa pública é nociva para a sociedade. É praxe no Brasil a criminalização do Estado, um perigoso exercício que inverte a verdadeira responsabilidade pelos prejuízos sociais. Um Estado forte é um componente necessário para que a sociedade tenha condições de minimizar os seus principais problemas. 

Em sua jornada pelo senso-comum, o homem médio não questiona as forças atuantes do deus mercado. Este como sempre, é apontado como a solução para os nossos dilemas; que é só deixar nas mãos do mercado, que um milagre acontece. Verdadeiramente, um mercado forte, com toda a sua a potência predatória e um Estado sem freios como o nosso, provoca caos social e situações como a que enfrentamos no presente momento. 

Ao aplicar um golpe na presidenta eleita pela vontade popular (Dilma Rousseff), Temer e seus consortes desejavam a instalação de um projeto que fulminasse de vez com os direitos sociais dos trabalhadores brasileiros, além de precarizar a atuação dos órgãos, instituições e agências estatais. O objetivo era o beneficiamento do mercado. Congelar os gastos do Estado em áreas estratégicas. Fazer uma reforma trabalhista impopular, precarizando ainda mais a situação do trabalhador. Ou seja, criar uma espiral de reformas, cuja finalidade fosse exaurir, extorquir; tornar o trabalho e o trabalhador em meros objetos descartáveis. 

Ainda era intenção da gana neoliberal de Temer, realizar a famigerada reforma previdenciária, que lançaria, por vez, o Brasil numa ambiência medieval. Uma vez realizada nos moldes propostos pelo governo, certamente seria a condenação de boa parte dos brasileiros - principalmente os mais pobres - a uma condição análoga à escravidão. 

Um golpe não é um acontecimento isolado, sem ramificações e implicações políticas e sociais sérias. O arrocho sempre faz com que aquele que está sendo agredido, reclame, reaja de alguma forma. Sem base popular, Temer se ver numa encruzilhada, gerada como consequência do seu modus operandis. Sabe-se que o movimento de criminalização da política gerou efeitos deletérios. O governo não consegue dialogar. Patina em sua própria fraqueza. Sofre de inanição por causa de sua pequenez. No desejo de se ver livre do que afirmam ser "corrupção", determinados grupos "acenam" para os militares. Solicitam uma intervenção militar, o que resultaria numa crise mais séria do que o golpe na democracia acontecido em 2016. 

O pedido por intervenção é um gesto de ignorância dos mais profundos. Em um país como o Brasil, onde o Estado Democrático de Direito é uma miragem, a saída nunca pode ser pela via medonha do militarismo. Existe no imaginário do homem médio a ideia de que os problemas do país devem ser resolvidos pela força, pelo simples fato de nunca ter visto uma solução plausível para os dilemas do país. Como já afirmado, sempre houve a flagrante criminalização da política e do Estado. Nunca há o questionamento: "Qual é a parcela de culpa do deus mercado nisso tudo?" Boa parte dos agentes do mercado atuam com interesses mesquinhos na relação com o Estado. O Estado, como ente que aglutina os interesses da sociedade, é que é a vítima, pois a função dos agentes do mercado é a expropriação do fundo público, resultado dos impostos daqueles que produzem riqueza no país. 

Trata-se assim de uma crise que possui enraizamento sistêmico. Não se trata apenas de uma greve com feições pontuais. Não é evento desgarrado de outros acontecimentos. O simples fato de o governo insistir em manter a política de preços da Petrobras, sacrificando impostos necessários à manutenção financeira de áreas estratégicas, para, simplesmente, não contrariar os interesses dos acionistas da empresa é uma comprovação do quanto o mercado precede os interesses da sociedade. 


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