sábado, maio 19, 2018

Algumas palavras sobre "A verdade vencerá - o povo sabe por que me condenam", de Luiz Inácio Lula da Silva

Acabei a leitura do livro "A verdade vencerá - o povo sabe por que me condenam", editado pela Boitempo. O livro é resultado de horas de entrevistas de quatro pessoas (Ivana Jinkings, Gilberto Maringoni, Juca Kfouri e Maria Inês Nassif) que dialogam francamente com Luiz Inácio Lula da Silva, uma das figuras mais importantes da história política brasileira. 

Vale mencionar os quatro textos escritos na parte inicial do livro, com destaque para a crônica política de Luis Fernando Veríssimo e o artigo preciso escrito pelo habilidoso Luis Felipe Miguel, professor da Universidade de Brasília. 

Após a leitura do livro, restou-me a impressão (ainda mais forte) de que Lula é uma figura sui generis. Seus inimigos podem não gostar de sua pessoa, mas, devem, no mínimo, respeitar a sua trajetória política e histórica. A entrevista se mostra uma verdadeira aula de como acontece o jogo político. Não há um esquematismo sistemático típico dos intelectuais herméticos. Lula discorre com simplicidade o mundo grande, graúdo, das negociações políticas; dos conchavos, das traições; de como se deve respeitar o seu mais terrível algoz. 

Demonstra uma finesse no tratamento com os adversários. "O conselho que eu dou é não entrar na política. Porque a arte da política é você conversar com os contrários". Talvez, esse respeito não seja dispensado a ele. Afinal, seus algozes são implacáveis. Lula é um exímio construtor de frases. Suas verbalizações conseguem gerar empatia. Isso é um dos seus trunfos, o que o torna popular, querido por boa parcela da população mais pobre, gerando medo nos seus adversários. 

A entrevista toca em temas políticos sensíveis como, por exemplo, a traição de companheiros de partido, como é o caso de Antônio Pallocci. Busca problematizar o que gerou o impedimento de Dilma. A dificuldade que Dilma possuía para dialogar; o fiasco das decisões tomadas por Dilma logo após a vitória eleitoral em 2014. Aquilo que foi possível realizar quando era presidente e os sonhos que alimenta em relação ao país.

Lula se afirma inocente em todas as perguntas e direciona à Lava Jato, a responsabilidade pela criação de provas forjadas para incriminá-lo. Há uma noção muita clara de quem são os responsáveis pela perseguição orquestrada contra a sua pessoa. Lula fala ainda sobre a imagem que o país passou a ter internacionalmente após o seu governo. Os principais líderes do mundo passaram a respeitar o Brasil pela capacidade que Lula tinha de negociar. Senti falta de temas relativos à América Latina. Todavia, torna-se compreensível a ausência desses temas pelo fato de, no momento da entrevista, fevereiro de 2018, a condenação pelo TRF4 e a iminência de sua prisão, serem os temas do momento.

Fui ler na Amazon alguns comentários, tentando entender a percepção de algumas pessoas sobre o livro. Assustei-me com as afirmações. Certamente, o ódio leva as pessoas a perderem a o bom-senso. Aqueles que se dizem liberais no Brasil - entre estes estão os principais perseguidores de Lula - não sabem o que é liberalismo. Lula se mostra mais liberal do que aqueles que assim se autointitulam. Aquela máxima: "Posso não concordar com o que você diz, mas devo defender até a morte o direito de você dizer" não é consdierada. Há xingamentos. Falta de trato. Ausência de respeito à trajetória política. Insinuações de que Lula é ladrão - este um dos argumentos mais baixos e rasteiros que se possa imaginar. 

Aqueles que isso insinuam, não entenderam o livro, não entenderam a aula dada por Lula. Pelo menos cinquenta anos de história política é despejada em sua entrevista, reforçada pelas mais de duzentas referências a personagens e a acontecimentos.

Se Lula fosse uma personagem do mainstream político como os tantos que existem no Brasil, ele não sofreria a perseguição diuturna de que é alvo. Essa perseguição é resultado de um preconceito por tudo aquilo que ele representa - pela sua origem, pela sua militância, pelo fato de ser uma das personagens mais respeitadas no mundo inteiro, por ter realizado um realizado um governo de que os mais pobres têm saudades, por possuir 33 títulos de doutor honoris causa; por ter fundado um partido que possui densidade política e penetração social. 

As elites brasileiras, com os seus braços de poder na mídia, no judiciário, no sistema financeiro e nos vários setores de decisões do estado, sempre se utilizaram de manobras para impedir qualquer tipo de mudança. A condenação de Lula passa por isso. Lula foi condenado e está sendo perseguido pelo fato de ser Lula. Se não tivesse essa capacidade política de mobilização que possui, seu processo prescreveria e ela ainda concorreria cinicamente às eleições com a certeza de que venceria. Não seria molestado pela opinião pública. Não haveria essa estrutura de ódio construída contra a sua pessoa. 

A crítica que percebemos nas falas do ex-presidente se assentam na credulidade exacerbada que possui nas instituições do Estado. Uma crença de que a própria sociedade que incrimina é aquela que vai inocentá-lo. Lula se esquece de dois fatos: (1) O estado moderno é uma instância do poder da burguesia, das elites que comandam o estrato social. Ela se mune construindo um muro por meio das leis e interpretações que as personagens que possuem poder de mando orquestram. Os poderes constituídos (Executivo, Judiciário e Legislativo) são instâncias que tomam decisões políticas, que criam realidades jurídicas incompatíveis com o ideal daquilo que é democracia. A expectativa de democracia no estado burguês vive de conveniências. Os golpes e a capacidade de manipulação das decisões conduzem o processo político, incriminando determinados movimentos ou permitindo a sua existência enquanto esse não oferecer resistência às estruturas de classe da sociedade capitalista. (2) Lula se esquece de que o povo, essa entidade cooptável, manipulável, precisa de uma preparação, de educação política para entender determinados processos. E foi justamente isso que o seu governo não fez. O PT não foi capaz de mobilizar os vários movimentos da sociedade civil para debater determinados temas, que são fundamentais para gerar mudanças nesse país. Se esse fato tivesse acontecido, talvez, a Dilma estivesse terminando o seu segundo mandato e Lula assumisse a presidência, pela terceira vez, permitindo ao Partido a quinta vitória. O PT permitiu que a astúcia de seus opositores fosse maior do que a capacidade de mobilização de sua militância. 

No geral, o livro é muito bom! Vale a leitura. É preciso ler com tranquilidade para perceber a sensibilidade de cada palavra enunciada por Lula. É essa sensibilidade intrínseca que torna o livro valioso. Talvez a verdade triunfe daqui a cinquenta ou cem anos, como hoje se olha pra trás e se entende as dificuldades enfrentadas por Getúlio Vargas, JK ou João Goulart. Daqui a algumas décadas, os livros mostrarão o quanto o Brasil perdeu a chance de avançar socialmente por ter "criminalizado" a figura que tinha condições de realizar isso. 

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