quarta-feira, janeiro 01, 2020

"Ética e moral - a busca dos fundamentos", de Leonardo Boff

"Tudo no mundo é dialético...", p. 94

Este foi o último livro que li no ano de 2019, portanto, o último da década. A leitura iniciou na metade do ano. Foi concluída apenas no último dia do ano. Resultado do muito trabalho e das poucas horas de que dispus para ler e contemplar as ideias, desvelando as intenções dos pensamentos. O que me levou ao livro foi uma intrigante vontade de entender o conceito filosófico de ética e moral tão comuns em debates; palavras repletas de menções, mas desconhecidas por boa parte daqueles que as proferem. 

O título do livro sugere isso - Ética e moral: a busca dos fundamentos, mas, Leonardo Boff não se ocupa em abordar filosoficamente esses dois conceitos. As referências são bem superficiais. Ele até busca fazê-lo. Há uma singela explicação etimológica para as duas palavras. Segundo Boff, as duas palavras gregas - ethos e daimon - são importantes para compreender o conceito de ética e moral. A primeira significa "morada humana"; já a segunda significa "anjo bom, gênio protetor". O conceito de "morada" extrapola o sentido do físico. É algo existencial. É o reconhecimento do bem-estar e possui uma relação globalizante consigo e com o cosmos. Já o "anjo protetor" tem a ver com a boa consciência, "com o sentimento do conveniente e do justo". Sendo assim, essa boa consciência nos permitirá morar bem na casa em que habitamos - seja o sujeito individual, a cidade, o país, o Planeta, o Universo em que habitamos. Tudo que se faça permitirá, munido desse "boa consciência", será ético e bom. Fora disso, tudo será antiético e mau. 

Ética é, então, o ramo da filosofia preocupado em orientar os homens a estabelecer os princípios e valores que tornam a vida possível em sociedade.  Já a moral é parte da vida concreta. Uma pessoa é moral quando age de acordo com os princípios e valores consagrados. Portanto, ela pode ser moral sem ser ética.

É a partir desse pensamento que Boff faz a sua reflexão, estabelecendo a relação do sujeito consigo e com o outro para a existência de uma ética que conduza o homem a uma mudança. Segundo ele, o modelo construído pela sociedade capitalista não tem permitido a formação dessa boa consciência, conduzindo o homem do nosso tempo a uma ignorância, que se não for observada, será fatal a manuntenção de todos os seres no Planeta. Para reverter isso, é preciso que haja (1) um ethos que procura; (2) um ethos que ama, pois "quando o outro irrompe à minha frente, nasce a ética"; (3) um ethos que cuida, porquanto o cuidado é anterior, "é o a priori ontológico", aquilo que deve existir antes para que a vida e as coisas se tornem possíveis; (4) o ethos que se responsabiliza, porque "responsabilidade surge quando nos damos conta das consequências de nossos atos sobre os outros e a natureza"; (5) o ethos que se solidariza, "pois somos todos interdependentes uns dos outros"; (6) o ethos que se compadece, porquanto necessitamos incorporar a compaixão; (7) o ethos que integra, pois procura ser sensível às demandas do mundo, às suas necessidades. 

Como em outras leituras que fiz de Leonardo Boff, há um forte apelo para o despertar de uma nova consciência, que fuja do tecnicismo da modernidade, com suas respostas prontas, com as suas demandas desumanizantes. Boff está preocupado com a agenda ética de Francisco de Assis, de Jesus Cristo, de Gandhi, de Dalai Lama; com ética dos povos originais e suas tradições ancestrais. A espiritualidade é um elemento importante para a existência do daimon. Sem ela, não se pode desenvolver a boa consciência, a sensibilidade para as boas práticas. 

É preciso desconstruir a cultura da satanização do outro, pois ela só produz tragédias - guerras, preconceitos, xenofobias, misoginias, racismos. "O caminho da paz é a própria paz". Essas preocupações devem ser o debate atual, caso queiramos que nossa espécie tenha sobrevida neste planeta. A cultura da violência contra tudo e contra todos, por meio da agressão ao meio ambiente; a imposição da ideologia do capitalismo, o neoliberalismo, devem ser detidos. E isso só é possível colocando um outro fundamento, numa prática (moral) condizente com valores verdadeiros e princípios humanísticos (ética). 


Nenhum comentário: