terça-feira, setembro 09, 2008

O "Epiríto da Época (Zeitgeist) do bloco Realista-Naturalista enquanto movimentos estéticos.

Nietzsche costumava dizer que quem escreve quer ser lido. Ele enfrentou sérios dilemas com relação aos seus textos, que foram pouco lidos ou comentados enquanto o filósofo estava vivo. O filósofo alemão tornou-se uma unanimidade apenas a partir da segunda década do século XX. Não quero me comparar a Nietzsche, pois me falta todo um cabedal crítico e filósofico. Ser igual a Nietzsche exige mais do que uma postura filósofica. Exige renúncia e radicalidade. Algo a que o homem comum não está preparado para enfrentar. Mas passa em mim a tristeza de que poucos são aqueles que lêem aquilo que escrevo. Que não entendam essa afirmação como algo lânguido e cheio de ressentimentos. Isso contrariaria o meu espírito nieztscheniano. Pois para Nietzsche somente os fracos e anêmicos ressentem-se. Os impávidos caminham para frente a despeito dos obstáculos. Todavia, fica assim. Em outro momento voltarei a escrever sobre essa facticidade. O texto abaixo é resultado de uma pequena pesquisa que fiz. Aborda "o espírito do tempo" (o zeitgeist - termo alemão) dos períodos das artes conhecido como Relismo e Naturalismo. Talvez hajam erros no texto - ensaísticos e conceituais. Fica como está. Resolvi colocar a tela de François Millet, um dos mais famosos pintores do período. A tela chama-se As Respigadeiras e marca uma nova atitude estética por parte dos artistas do século XIX. Àqueles que tiverem coragem de ler o texto, fica o abraço mais genuíno da minha alma nietzscheniana.

INTRODUÇÃO:

O século XIX constitui um período singular do ponto de vista das produções humanas e estéticas. Pode-se afirmar que foi um século romântico. O Romantismo permitiu uma nova maneira de se fazer arte. O artista colocava a subjetividade como grande tema a fim de apreender e se comunicar com a realidade. O individualismo era a ferramenta ser considerado como o objeto a ser analisado. A grande preocupação do romântico era externar as suas visões interiores. Quanto mais essas visões estivessem ligadas a um senso ilógico, de uma oscilação entre alegria profunda e desolação melancólica aguda, mais existosas eram essas produções. O que se percebe é que as características mais acentuadas deveriam ser cheias de grande mistério, o que fazia com que o espírito romântico fosse atraído pelas matérias ocultas da existência; de sonho, que representava um abandono do mundo e a criação de um universo de mitos e símbolos; de escapismo, ou seja, de fuga da realidade e criação de um lugar ideal onde o romântico pudesse se abrigar das intempéries da vida; de culto à natureza, ou em outras palavras, a natureza era um lugar puro, não contaminado pela sociedade, lugar de cura física e espiritual; de exagero, o romântico buscava retratar com perfeição um mundo em que colocava tudo de bom, de bravo, de puro, de belo, no passado, no futuro, ou em um lugar distante, um mundo de perfeição e sonho; de fé, acreditava no espírito e na capacidade de mudar o mundo; de pitoresco, o romântico era atraído pelo espaço, o gosto pela floresta das longínquas terras selvagens, orientais, ricas de contornos imaginosos, ou seja, era a relação do romântico com a natureza que interessava, pois gerava melancolia, saudade e dor da ausência (COUTINHO, 1990, pp.146-147). Estas foram características mais marcantes na estética das produções românticas do fim do século XVIII e início do século XIX.
Esses atribustos são o eixo que abrigava o interesse do romântico. O que move a construção da arte para o romântico era justamente uma espécie de elocução própria, um desejo de retratar suas emoções e reflexões. Nisso residia o centro de gravitação de suas preocupações . Ele não lidava necessariamente com o fato, mas com o ideal, com a projeção, com os aspectos mais densos do mundo existencial, que se fazia conhecido e extravasado para o mundo.
Deve ser mencionado que esse apanágio do Romantismo, enquanto movimento estético, com o tempo foi perdendo completamente a sua razão de ser. Novos eventos e preocupações históricas fizeram rebentar uma plêiade de características novas, que pouco a pouco foram enfraquecendo o movimento romântico enquanto movimento estético. Novos ventos sopraram e constituíram uma mutação nas mentalidades. Imprimiram uma nova sensibilidade.

A CIÊNCIA COMO RAZÃO SISTEMATIZADA

Fazendo uma rápida digressão, pode-se afirmar que o Iluminismo do século XVIII havia infundido uma preocupação diferente, uma outra celebração no campo do pensamento. Os iluministas entendiam que a humanidade precisava passar de um estágio de obscurantismo para o século das luzes, onde o que triunfaria seria a razão, a ciência e uma era de respeito aos ideais de um novo projeto para a humanidade. Essas preocupações atingem um ápice quando da Revolução Francesa, que de certa forma constitui um capítulo singular na História do Ocidente. Se os grandes pensadores (Descartes, Hobbes, Locke, Rousseau, Newton, Galilei Galileu, Diderot, Montesquieu, D’Alambert, Voltaire) dos séculos anteriores haviam construído os alicerces para o avanço da razão cientifica, o século XIX permite a eclosão dos vários movimentos filosóficos e científicos que irão consagrar-se ao triunfo da Ciência.
Vale mencionar que quando se fala em Ciência estamos lidando basicamente com as razões lógicas em torno dos fatos, da realidade. A ciência como diz Carl Sagan tem por finalidade descortirnar o mundo assim como ele é. “A ciência baseia-se na experiência, na disposição de desafiar os velhos dogmas, numa abertura que permita ver o universo como ele na realidade é” (SAGAN, 1997, p. 15). A discussão é mais densa, quando se trata de uma definição ou de uma mera classificação, pois no século XX vai surgir justamente um debate em torno das razões da verdade e da exatidão da ciência (ALVES, 1981, p. 139). Não é o objetivo desse breve ensaio se estender até esses arraiais vastos. Ciência pode ser compreendida como, em seu sentido amplo, como qualquer conhecimento sistematizado e que costuma ser aplicado sobretudo à organização da experiência sensorial objetivamente verificável. A ciência busca o maior empenho possível a fim de organizar “as verdades” descobertas em sistemas.

Por exemplo, todos nós possuímos uma série de conhecimentos sobre os fatos da natureza: as forças, o movimento, e assim por diante. Qualquer motorista sabe, que se ele brecar bruscamente o carro, seu corpo será “empurrado” para frente. Todos nós sabemos que a Terra gira em torno do sol (...) O cientista aspira a organizar seus conhecimentos em sistemas. Por sua vez, deseja que suas afirmações sejam verdadeiras (LUNGARZO, 1989, pp.41-42).

Essa busca faz do cientista alguém que analisa os fatos, a realidade, que perscruta com imparcialidade e neutralidade a fim de encontrar nos eventos “a verdade” que move o universo. A ciência em sua busca deve fornecer respostas universais, independentes dos pontos de vista subjetivo, moral ou religiosos (GLEISER, 1997, p. 21). Para que haja credibilidade o cientista deve se munir de neutralidade.
O processo de renovação científico e das mentalidades está presente fortemente no século XIX. A Ciência abrangeu os aspectos mais gerais das produções humanas. Essa preocupação também se fez sentir no campo das produções artísticas, especialmente na literatura. Houve, assim, uma transferência do espiritualismo, das realidades intangíveis, incognoscíveis, metafísicas, para um tipo de preocupação com a matéria. Esse movimento de “mecanização da percepção”, ou seja, essa preocupação com a objetividade consagra a vitória da matéria sobre a subjetividade. Os elementos individualistas são substituídos pela crença na observação e no rigor cientifico que devia ser o eixo de gravitação da arte.
De um modo geral, transferiam do metafísico, incognoscível à mente humana, para o natural, acessível ao nosso conhecimento, a explicação do universo, cuja substância se traslada do espírito para a matéria. Se nem todos colocavam na matéria a essência do mundo, a ela cifravam a nossa cognoscibilidade, afastando de nossas cogitações, por conseguinte, toda especulação sobrenatural, por despicienda, pelo menos provisoriamente, no estado em que no momento se encontravam as indagações da razão humana; a qual deveria guiar-se pelo espírito científico, que é positivo e se coloca no terreno dos fatos, e apoiar-se nos métodos de experimentação objetiva obediente a normas impessoais e isenta de qualquer prévia interpretação subjetiva (PACHECO, 1971, p. 12).

Esta ânsia ou essa busca da impessoalidade exaltou aquilo que Afrânio Coutinho denomina de “fatualismo científico” (COUTINHO, 1990, 182). Esse ideário cientificista revolucionário era guiado por uma nova forma de interpretar a realidade. Haviam razões ideológicas nessa nova postura. A ciência era a ferramenta capaz de fazer “destrancar” o mundo e revelar os segredos ocultos. Era preciso decompor, analisar, dividir em partes a fim de que o mundo fosse estudado anatomicamente como um corpo. Isso pode ser constatado no pensamento do biólogo alemão Ernst Heinrich Haeckel que tentou conciliar por meio de uma teoria que unificasse biologia, ciência e religião.
O que deveria merecer atenção para o homem era a natureza do qual provinha pela seleção natural (não divina) da espécie; Os fenômenos naturais, segundo a compreensão, se ofereciam imediatamente aos sentidos, enquanto o espírito escapava à captação racional, permanecendo imponderável e inapreensível. Há assim nos espaços imediatos à realidade um determinismo mecanicista, que evolui do mais simples para o mais complexo, do homogêneo para o heterogêneo. Esse senso científico como instrumento aferidor da realidade era tanto mais exato quanto menos subordinado ao sujeito, ao individual, quer dizer, quanto mais neles prevalecesse o objeto em análise. O conhecimento processava-se pela razão, como intérprete capaz de apreender o real, e orientava-se indutivamente pela observação e da experiência para a generalização (PACHECO, 1971, pp. 12-13).
Essa compreensão de que havia um senso lógico que movia o mundo passa a ser uma determinante de análise retilínea. Ou seja, o que se quer dizer com isso é que as leis que estão presentes na natureza (kosmos) estão presentes também no mundo, na sociedade criada pelos homens. “As ciências sociais aliaram-se às ciências naturais, físicas e biológicas: economia, sociologia, estatística, biologia, psicologia, ciências naturais, geografia, antropologia e etnografia” (COUTINHO, 1990, p. 183). Assim passou-se a entender eram transformações científicas de ordem técnica que afetavam diretamente o dinamismo da sociedade.
Essa convergência de ciências vai permitir um modo muito peculiar de se ler a realidade. Essas transformações técnicas fornecem possibilidades para que se veja as estruturas que moviam o mundo. Ou seja, “essa revolução (...) suscita novas formas de atividade profissional, modifica as condições de trabalho, dá origem, por um encadeamento de causas e de conseqüências, a novos tipos sociais” (RÉMOND, 1990, p.53). Essas amarras vão conferir um apego acentuado aos aspectos técnicos, progressistas da ciência e se constituir naquilo que José Veríssimo chama de “infalibilidade da ciência e exagerada opinião da sua importância” (www.dominiopublico.gov.br). As leis naturais indicavam, segundo o entendimento, que havia uma uniformidade no mundo, que representava um sistema fechado. Sob a influência do pressuposto das causas naturais em um sistema fechado, a máquina não se limita a englobar só a esfera da física; ela abrange tudo. Esse pressuposto vai estabelecer o seguinte postulado: o que é, certo é. Ou seja, o que a natureza impõe pela sua força é totalmente coerente. Esse entendimento bania com as razões românticas que valorizavam profundamente a alma e o espírito (SCHAEFFER, 2002, pp. 49-50).
Logo, a sociedade torna-se um organismo vivo e pulsante em constante evolução, e a luta entre indivíduos passa a ser vista como uma luta de forças e classes antagônicas, da mesma forma que os animais selvagens competem entre si guiados pelo instinto. A aplicação da metodologia científica às ciências sociais foi acontecimento mais determinante para a orientação das produções humanas: ciência, política, religião, artes (SENRA, 2006, p.11).

OS “ISMOS” DA CIÊNCIA

Essa orientação promoveu um desapego às crenças tradicionais ou políticas. Várias foram as correntes científicas que surgiram a fim de explicar a realidade com suas tangências. Desde um acatolicismo a um monismo ou ainda a um determinismo . Assim, não se pode fazer uma análise das produções do homem do século XIX sem deixar de compreender os movimentos de cunho científico surgidos naquele presente histórico. Determina-se a realidade a partir de um fator determinante permanente na natureza que com suas leis fixa critérios mensuráveis.
As mudanças do ambiente despertam novas necessidades, as necessidades criam novos órgãos, os órgãos desenvolvem-se pelo uso e atrofiam-se pelo desuso. As transformações individuais provenientes da ação destes fatores são depois fixadas pela herança, que as transmite aos descendentes (FRANCA, 1990, p.202).

Como se pode constatar, buscava-se a fixação de uma complexa explicação que abrangesse “todo o homem no conjunto de sua existência” (ROVIGHI, 2001, p.193). Essa nova sociedade, com novas estruturas conceituais, serve de pano de fundo para uma reinterpretarão da realidade, que gera teorias de variadas posturas ideológicas (NICOLA, 1998, p. 178). Para isso surgem essas escolas de caráter cientifico, que inquestionavelmente estão ligadas à história do século XIX. Escolas como o positivismo, o evolucionismo, o materialismo histórico e o darwinismo social se constituirão nas raízes semânticas de interpretação filosófica e científica. Essas escolas se coligam no ideal de evolução nos trabalhos de Darwin , Taine , Spencer e Comte (COUTINHO, 1990, p.184).
O evolucionismo legitimava a condição do mundo ocidental. De certa forma se constituía numa escola de cunho funcionalista. A ideologia hegemônica da civilização européia passou a ser uma idéia comprovada cientificamente comprovada por “leis naturais”, que determinava o rumo da história dos povos. Assim como na natureza há leis que impulsiona a presença do mais forte, a sociedade humana também seria regida por esta lei de manutenção. Isso conflagra naquilo que Darwin chama de “luta pela existência”. Os mais fortes ou favorecidos seguiriam uma tendência natural de beneficio da natureza (DARWIN, 2005, p.79).
A idéia básica do darwinismo social seria de que as circunstâncias históricas externas determinam a natureza de qualquer ser vivo e amplia-se a ponto de análise dos acidentes geográficos, do ambiente e da natureza propiciar não apenas caracteres psicológicos, como o comportamento social. Estudava-se o ambiente do homem para que se pudesse compreender o seu comportamento como o de um mero animal (SENRA, 2006, p.12). O mundo passa a ser encarado como um processo de crescimento e evolução. “A sociedade foi encarada, sob o influxo da biologia, composto por células de funcionamento harmônico e obedecendo às leis biológicas de lei e morte” (COUTINHO, 1990, p.183). Em suma, conforme continua expressado Coutinho (1990, p.184), “as circunstâncias externas determinam rigidamente a natureza dos seres vivos, inclusive o homem, e de que nem a vontade, nem a razão podem agir independemente de seu condicionamento passado”.
Já para o positivismo de Augusto Comte, que foi amplamente divulgado no século XIX como construto científico por excelência, considerava precipuamente que a metafisica e a teologia eram sistemas de conhecimentos imperfeitos, pois não poderiam ser explicados pela razão positiva. O filósofo francês entendia que somente a razão positiva era capaz de conduzir o homem a um novo estágio de lei, progresso e ordem. Para ele, não se devia reduzir o mundo apenas a um princípio (Deus, Homem ou Natureza). Tal forma de construção estaria equivocada, pois a construção de um novo estágio de civilização não devia ser feito de forma individual ou isolada. Em seja, qual fosse o campo, uma metodologia idêntica iria produzir convergência e homogeneidade de teorias, possibilitando, assim, que a filosofia positiva fosse o “fundamento intelectual da fraternidade entre os homens, possibilitando a vida prática em comum” ( 2005, p.10).
De fato o grande ideal de Comte era fundar uma religião que teria a ciência como principal personagem que orquestraria a humanidade. Ele enxergava certo determinismo entre os povos, uma amarra que ligava por meio de uma coexistência de todos os povos do globo. Ou seja, dessa forma o “encadeamento estabelecido segundo a sucessão dos tempos pode ser verificado pela comparação dos lugares” (COMTE, 1972, p.18). Para Comte, a história seria constituída por um conjunto de fases imóveis em si mesmas, que num contínuo substituem umas às outras, de forma que cada estágio superior ao anterior, decorrência necessária deste e preparação, também necessária, para o próximo estágio, até que se chegue, finalmente, ao estado superior (ANDERY; SÉRIO, 2004, p.379).
O materialismo histórico foi desenvolvido por Karl Marx como uma teoria crítica permite que se leia a história como uma intensa luta de classes. O que se estabelece a priori é que há aqueles que dominam e aqueles que são dominados, pois o que determina a organização de qualquer sociedade é o estado de suas forças produtivas. Quando se muda esse estágio, inevitavelmente se muda a organização social. O movimento da matéria move a história. Os fatos históricos não são determinados pela consciência sobre as coisas materiais, mas a consciência é determinada pela ingerência direta da matéria. Portanto, as forças sociais estão em constante estado de mudança quando as forças produtivas da matéria se estabelecem (PLEKHANOV, 2006, pp.80-81).
Essas concepções vão está presentes também na estética das artes, principalmente na literatura. Os escritores dessa época a partir desse ideário passam a valorizar esse cientificismo acentuado e fazem dos seus personagens bonecos sem livre-arbítrio ou os reduzem a um ambiente onde as forças hereditárias imprimiam caráter, ações, destino.

O REALISMO E O NATURALISMO.

Falar desses movimentos estéticos é perceber essa cristalização de caracteres cientificistas impressos nas páginas. O mundo vaporoso dos românticos foi ordenado e reduzido a construtos da ciência. Já não se priorizava o que o indivíduo tinha a dizer, mas o que os fenômenos naturais ou sociais diziam. O homem, afinal, nada mais era do que uma engrenagem na grande máquina, no mecanismo que é o mundo. Tais ordenações podem ser observadas textos produzidos nesse período. Isso pode ser visto, por exemplo, no Naturalismo e o Realismo que foram produções estéticas que buscaram realçar essas características.
O Naturalismo é o termo que designa uma ciência (natural + ismo) e significava uma filosofia, na qual nada tem uma explicação supranatural, e, portanto as leis científicas e não as concepções teológicas da natureza, é que possuem explicações válidas. Em literatura, é a teoria que explica que a arte deve conformar-se com a natureza, utilizando-se dos métodos científicos de observação no tratamento dos fatos e dos personagens (COUTINHO, 1990, p.188). Essa visão determinou uma possibilidade de fazer dos personagens meros caprichos do ambiente, que os condicionava. Isso fica patente nos escritos Émile Zola.
Nos meados do século XIX, a ciência fez novos progressos e as idéias mecanicistas voltaram a estar na moda. Dessa vez, porém, vinham de outra parte – não da Física ou da Matemática, mas da Biologia. A teoria da Evolução teve efeito de reduzir o Homem, da estatura heróica a que os românticos haviam procurado exaltá-lo, ao aspecto de um animal indefeso, mais uma vez minúsculo dentro do universo à mercê das forças que o circundavam. A humanidade era o produto acidental da hereditariedade e do meio ambiente, em cujos termos se tornava explicável. Esta doutrina chamou-se, em Literatura, Naturalismo, e foi posta em prática por romancistas como Zola, que acreditava serem idênticas a composição de um romance e a realização de um experimento de laboratório: bastava apenas fornecer às personagens um meio ambiente e uma hereditariedade específicos e depois acompanhar-lhes as reações automáticas. E por historiadores e críticos como Taine que asseverava serem a virtude e o vício produtos de processos automáticos, tanto quanto álcalis e ácidos, e que buscava explicar as obras-primas com estudar as condições geográficas climáticas dos países onde haviam sido produzidas (WILSON, 1993, pp.12-13).

Ou seja, esse axioma do Naturalismo permitia a arte se ligar à ciência e torná-la qual documento objetivo, de análise de fatos sociais.
O Realismo, por sua vez, conforme narra Coutinho (1990, p.185) derivava real, oriundo do adjetivo do baixo latim realis, reale, por sua vez derivado de res, coisa ou fato. Assim, seria a palavra que indicaria a preferência pelos fatos e a tendência a encarar as coisas tais como elas são na realidade. “Em Literatura, Realismo opõe-se habitualmente a idealismo (e a Romantismo), em virtude da sua opção pela realidade tal como ela é e não como deve ser” (1990).
O realismo logrou impor a pintura verdadeira das condições de vida dos humildes e obscuros, homens e mulheres que habitualmente são ignorados pelos olhos das elites. É uma literatura, enquanto tendência, um temperamento, uma forma de se posicionar no mundo, que buscava apresentar a verdade, uma busca de tratar com o máximo de verossimilhança, sem artificialismos ou sentimentalidades; buscava pintar retratos fiéis de seus personagens, são personagens concretos, não genéricos; encarava a vida objetivamente, de modo que o autor não confundia seus sentimentos e pontos de vistas com emoções e motivos das personagens; retratava a vida contemporânea, não se fiava pelo passado ou o futuro; tirava o maior número de detalhes específicos; a narrativa se desenrolava lentamente, pois buscava mais caracterizar do que narrar as ações; apoiava-se mais nas impressões sensíveis; escolhia uma linguagem mais próxima do real.
Como se pode ver tanto o Naturalismo como o Realismo buscavam uma visão claramente objetiva para lidar com a realidade. Essas características são advindas daquilo que pode ser denominado espírito da época.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O século XIX constitui um momento singular na História da Humanidade, pois permitiu que surgisse uma importante desejo por se compreender as razões lógicas que moviam o mundo. Para isso, a ciência surgiu como um grande vulto que possibilitava a construção de uma base para se chegar a essa ordenação ou ideal criador. Este empreendimento buscava dissipar os aspectos meramente não naturais, não materiais como a teologia e a metafísica como possibilidade explicativa da realidade.
Com isso surgem diversas escolas cientificas que priorizam a aplicação do método cientifico como axioma absoluto para gerir a economia, a política, as artes, a religião. Tais construtos determinaram uma visão objetiva da história que passou a ser vista como um palco da matéria. Pensadores como Darwin, Marx, Comte, Spencer e Taine foram responsáveis por uma visão por empreender uma luta ideológica na construção de seus empreendimentos filosóficos.
A literatura não ficou como um terreno neutro. O espírito da época influeenciou também os escritores que se utilizaram claramente da objetividade da ciência para nos seus escritos. Isso fica claro, por exemplo, com o Realismo e com o Naturalismo, que são escolas estéticas profundamente tangenciadas pelo zeitgeist daquele momento histórico.
Compreender esse espírito da época possibilita ter uma visão mais abrangente desse momento tão singular da literatura da segunda metade do século XIX (pós-romântica). Pois um autor ao escrever uma obra está querendo ou não influenciado por determinadas circunstâncias históricas. A obra não se limita a um tempo, pois é matéria imorredoura, por isso, é arte. Todavia, o autor possui uma referência histórica que guia o seu pensamento e suas noções.

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Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

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www.dominiopublico.gov.br, acessado dia 9 de junho de 2008, ás 18:00.

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