sexta-feira, setembro 14, 2007

A busca por Deus

Decidi postar este texto neste espaço, motivado por este tema tão fantástico: a relação do homem medieval com a divindade. As artes na Idade Média tinham o caráter que buscava revelar o mistério de Deus. As grandes catedrais eram textos abertos a fim de que o fiel lesse os soberanos feitos do criador. Nelas, o homem medieval entrava e encontrava abrigo contra os perigos do mundo.

O forte sentimento religioso que alimentou o homem da Idade Média estava fundado numa perspectiva mais irracional do que racional. Esse comportamento representava a eficaz capacidade que a Igreja teve de se insinuar sobre as mentalidades. Desta forma, a mão da Igreja guiava os homens em busca dos sentimentos mais nobres que os aproximassem de Deus. O mundo possuía características feias, caricatas e estava manchado pelo pecado. Cabia aos homens se abandonarem na crença de que não havia nada de importante no mundo. Este era infecto, apodrecido.
Todas as produções artísticas deveriam reportar-se ao eterno, ao sublime. Deveriam estar ornadas pela luz celestial, pelo caráter imarcescível dos santos. Nesse sentido, a arte medieval destoa completamente da arte romana. A arte romana possuía um caráter profundamente realista em sua abordagem. Ela buscava retratar o homem e a natureza. São esses, por exemplo, os desenhos que se encontravam nas catacumbas cristãs do primeiro século. Assim, a natureza e os seus elementos eram entes presentes nas pinturas e descrições. Todavia, a Idade Média bane de suas retratações artísticas essas características. O ideal medieval de um mundo mal, habitado por imperfeições e nódoas de corrupções fez com que a arte estivesse esvaziada de retratações humanas e naturais.
O homem medieval fugir do mundo e de suas convenções, como fica bem explícito em trechos da conversa do frade com o senhor Ciappelletto, na Primeira Novela do Decamerão e Boccaccio. O cultivo das boas virtudes, das obras boas, de um senso moral em consonância com os mandamentos dos padres e da Igreja. Os mosteiros constituíram-se em verdadeiras fortificações contra todo mal satânico. Lá os homens santos estavam abrigados de todo mal desferido contra os homens comuns: o mundo infernalmente pecaminoso. As orações, as boas obras, as preces, a intercessão dos santos, as novenas, os esmagamentos dos desejos e a proteção da Igreja constituíam um arsenal poderoso contra as investidas do mal. Os cantos gregorianos eram verdadeiros hinos de guerra, criações espiritualmente viris capazes de banir o inimigo como espadas de ataque e como escudos de defesa. Em suma: quanto mais afastados fossem os mosteiros do contato com o mundo, mas promissores e virtuosos seriam os monges que nele se abrigavam.
Dessa forma, todos os pensamentos dos homens deveriam se elevar a Deus. A arte deveria traduzir os desejos de Deus. As produções artísticas deveriam traduzir a relação magestática do Deus cristão e aquilo que a sua celestialidade representava. A partir do século XI, com o florescimento nos requintes e gestos houve, por sua vez, uma maior sutileza nas diligências do espírito. A comunicação que essas inovações propiciaram passam a fazer parte da arquitetura nas Igrejas, que devem insinuar-se até os céus, centro da morada divina. As igrejas devem humilhar o crente que nela entra. Deve ser grande como grande é a proteção divina. Nela o fiel deve depositar a sua fé, a sua confiança e achar toda a segurança que a alma necessita. Dentro dela os homens comuns estarão protegidos dos assédios de satanás e do mal.
As construções arquitetônicas das igrejas deviam gerar estupefação e ser livro aberto para todo aquele que pudesse ler os feitos grandiosos de Deus. Ou seja, a construção era livro aberto de ensinamentos. Ela era ao mesmo tempo uma fuga do mundo e uma transposição da ordem cósmica. Uma nave no qual os homens poderiam nela se inserir e viajar para uma outra dimensão.
A obra de arte quer mostrar em tudo que os aspectos da maldade do mundo desfigurava a virtude. Era assim, por exemplo, a retratação dos santos de Deus que também acabaram sendo vitimados pelo mal, varados pelas injustiças de algozes do mal a serviço do reino das trevas. Todavia, esses santos são vassalos no melhor sentido da palavra de um senhor não falível, de um senhor que rebaixa e humilha os poderosos e exalta os sofredores e humildes, que vencem o mal e se apropriam das virtudes não materiais do bem. O livro do Apocalipse do apóstolo São João torna-se um livro amedrontador, mas que demonstra com fidedignidade o destino dos santos.
O homem deveria marchar do mundo para os locais santos, fugindo da dança nefasta e ludibriosa do mundo. Deveria purifica-se indo a Jerusalém e a São Tiago de Compostela. Os homens devem se ausentar das aparências mundanas e se abrigar na Igreja, que artisticamente, celebrava o senhorio divino, conclamando todos os homens a seguirem a virtude e se transporem do lado do mal para o lado do bem.

Nenhum comentário: