quinta-feira, janeiro 19, 2012

Viagens - a ausência-presença das obras do tempo

A visita que fiz ao estado de Pernambuco - minha "pátria" (levando em conta que a palavra "pátria" significa "terra dos pais") - me deixou com uma sensação de que o tempo é uma força descomunal. Enquanto estava por lá, lembrei de uma frase de Karl Marx - "Tudo o que é sólido, desmancha no ar".

Havia ficado oito anos sem visitar aquele estado. Sem visitar parentes. Rever amigos. Apreciar paisagens. Envolver os meus sentidos com as feições da terra. Foi estranho não ter visto o meu avô materno. Não ouvir a sua voz grossa, envolvida pelo arrojo da autoridade. Esse fato causou uma sensação de ausência. Não visualizar os seus beiços enrugados à maneira dos velhos coronéis provocou um impacto. A casa de farinha, o seu lugar de praxe, ficou abandonada. Era nesse ambiente que ele fazia as suas reflexões. Comentava casos. Desferia críticas contra as injustiças. Comentava a política dos governos estadual e federal. Vociferava contra as bestuntices dos trabalhadores, dos vizinhos, dos filhos, dos netos... do mundo.

O tempo, como diz Agostinho em suas Confissões, provoca "efeitos admiráveis". Diria que ele causa um duplo efeito: (1) um a nível externo. Ou seja, aquele que se processa no mundo físico, alterando ambientes, provocando alterações contigentes; e (2) outro a nível existencial. Ou seja, efeitos de ordem psicológica. Enquanto caminhamos vamos sendo afetados por essa força que é como a água do mar - movimenta-se num dinamismo incessante. Não o percebemos, mas os seus efeitos vão "desmanchando" as obras da realidade e infundido, no ser, "efeitos admiráveis". E tudo se encerra na afirmação do poeta Manuel de Barros - "uma ausência que é só presença".

P.S. A obra fantasmagórica acima é de Francisco de Goya, um dos pilares da pintura espanhola. O quadro retrata o deus romano Saturno (Cronos no grego), devorando um dos seus filhos. Segundo a mitologia, Saturno fora advertido de que um dos seus filhos o destronaria. A partir daí, ele passa a devorar um por um os seus filhos. Até que um deles - Júpiter (Zeus no grego) - conseguiu escapar e viver. A cena é uma das mais terrificadoras já pintadas na história da arte. Mostra Saturno, símbolo do tempo, bestializado, consumindo implacavelmente um dos seus rebentos - os cabelos esvoaçados, os olhos fora das órbitas, o esforço para abrir a boca e convertê-la numa enorme cavidade negra que morde o braço esquerdo de um corpo humano, ao qual já não tem nem cabeça nem braço, provoca impacto. O corpo encurvado; o braço direito como um coto de uma árvore; as pernas como se estivessem amputadas a sumirem na treva espessa. Apesar das várias possibilidades de leitura da obra, a que mais gosto é aquela que mostra que o tempo é aquela força que devora tudo, que é implacável. Quem seria o "Júpiter"("Zeus") capaz de destronar o seu poder acachapante?


3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Carlinus, que bom encontrá-lo aqui! O que aconteceu com "O ser da Música?" E por que você nunca mais escreveu no PQPBach? Estamos esperando por você!

IvanRicardo

Carlinus disse...

Ivan, eu o blog está temporarimante fora do ar. Foi uma maneira voluntária que encontrei para refletir. Fiquei imensamente triste com a saída do Megaupload do ar. Estou pensando no destino do blog. O PQP já é outra história. Há lá muita gente competente e isso me deixa um pouco retraído...

Abraços a você e à sua maravilhosa cidade - Gravatá!

Anônimo disse...

Ah! Você lembrou que sou de Gravatá! Olha, não tire o site do ar, talvez haja alguma alternativa, não sei, talvez se você substituir os arquivos para o 4Shared (se ele for gratuito) ou outro... Isso deve dar um trabalho danado, mas saiba que tem um montão de gente com saudade.

Mas quanto ao tema desta postagem, queria saber realmente o que achou de Pernambuco depois destes oito anos longe. A impressão geral foi positiva ou negativa?

Um abraço,

IvanRicardo