domingo, novembro 18, 2012

O Clube da Luta, de David Fincher, e a violência simbólica do nosso tempo

Eco e Narciso, de John Waterhouse, c. 1903.
Ontem à noite eu encarei o filme O Clube da Luta, de David Fincher. Vale ressaltar que Brad Pitt e Edward Norton estão impecáveis no filme. Certamente posso inscrevê-lo no filão pessoal dos grandes filmes. Observando a obra apenas pela superfície, o que fica é a impressão de que se trata de um show de pancadaria gratuita. De violência. De um tipo de propaganda desnecessária e cheia de sangue. Todavia, o filme nos apresenta importantes questões filósoficas. 

Ainda estou impressionado - e ainda mais com aquele música "assombrante" do Pixies (Where in my mind). Já ouvi bastante essa música em outros tempos. Mas, ontem, ao ouvi-la após o filme, alguns efeitos se acumularam em mim. Certamente, onde está a mente do homem moderno? Fincher sabia do que estava fazendo em O Clube da Luta e ao escolher essa música. Não quero fazer uma sinopse da película. Isso pode ser encontrado em qualquer desses sites sobre cinema. Queria apenas pensar como o filme estabelece uma relação com o momento niilista em que vivemos. Nesse tempo de liquedez, no qual nada possui forma e os valores são intangíveis.

O filme aborda diversos temas - consumismo, servidão voluntária, totalitarismo, crítica ao capitalismo etc. Queria apenas enfatizar os efeitos espirituais do consumo sobre a existência no sistema em que vivemos. 

No filme, em dado momento um grupo de sujeitos fiéis começam a seguir Tyler (Brad Pitt), o prótotipo do tirano, do líder capaz de subjulgar as massas. Em dado sentido, Tyler personifica o capitalismo. Esse grupo se torna leal àquele que inventou o clube da luta. O grupo em sua obediência, despe-se de intenções individuais. Obedecem de maneira cega. Passa a existir, assim, uma forte despessonalização dos sujeitos. Pode se estabelecer uma paralelo desse grupo com o homem das massas do nosso tempo, pois a crise do homem do nosso tempo é de não saber quem ele é. Ele se agarra a fiapos de crenças e gasta energia com isso sem, de fato, empreender uma busca pro aquilo que é essencial. A ausência de valores cria uma sociedade fragmentada e que vive solta. 

A sociedade da tecnologia e dos bens de consumo é uma sociedade que fez ruir o conceito de individualidade. Ao passo em que se cria uma forte propensão para que sejamos individualistas, esse individualismo é quebrado pela ideia de homogeneização dos valores. Assim, existe uma tirania de gostos e prefências. E de certa forma, somos incentivados a crermos que possuímos alguma importância nas engrenagens do sistema. Todavia, no fundo somos todos ovelhas de um mesmo rebanho. O conceito de cultura local foi dilacerado. Existe apenas uma grande "cultura global".

Uma afirmação feita por Tyler é sintomática: "Somos os filhos do meio da história, criados pela televisão para acreditar que algum dia seremos milionários, astros de filme ou da música, mas não seremos". Essa frase possui ecos com A dialética do esclarecimento", de Adorno e Horkheimer quando estes afirmam que "a cultura comteporânea confere a tudo um ar de semelhança". A tentativa de criar uma unidade numa sociedade mercada pela desigualdade faz crescer uma expectativa nervosa. Os dominadores ditam os valores sobre os dominados. E o sonho dos dominados é serem semelhantes aos dominadores. Nesse sentido, vivemos a maior das tiranias.

A tirania da qual somos vítimas é velada, mas possui poderes onipotentes. Enquanto no filme notamos uma violência explícita - e talvez o autor quisesse de fato externar esse sentido com a sua mensagem - a violência que nos acomete é silenciosa e criadora de um padrão. 

Dessa forma, cria-se uma necessidade insaciável de consumo. A violência simbólica se faz presente aqui. Enquanto nos estados totalitários, a violência acontecia sobre o corpo, na nossa sociedade totalitária, a violência acontece sobre a psiquê, gerando esquemas existenciais complexos. Assim, quanto mais o sujeito é instigado a consumir, mais esse desejo se retroalimenta para que o sistema se mantenha vivo. Como disse certa vez Slavoj Zizek, a Coca-Cola talvez seja uma das metáforas mais fantásticas do nosso tempo. A propaganda que existe em torno dela é que ela é única capaz de saciar a sede. Mas, quanto mais se bebe, mais a sede se acentua. Assim, na sociedade do fetiche quanto mais se consome, mais se tem vontade de consumir. A grande crise do homem do nosso tempo é ontológica.

Uma cena curiosa do filme que ilustra isso é quando o personagem de Edward Norton sem ter como bater no chefe, sente a necessidade de bater em si mesmo. Sua psiquê estava tão marcada pela violência, que um vício pela agressão o tomou por completo. Pode se afirmar que a mensagem do filme aos homens do nosso tempo é que a violência de uma sociedade concebida sobre o consumo se instalou no homem. 

E o grande problema de nossos dias não é a questão da tolerância ou da desigualdade, a grande questão é que o estilo de vida de uma sociedade que prima pelo consumo se tornou tirana. A necessidade de imitação cria uma obrigatoriedade universal. No dizer Adorno e Horkheimer, "deixa o corpo e vai à alma". 

Que filme, meus amigos, que filme!


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