sexta-feira, novembro 30, 2012

Jack London - a boa narrativa

"... a vida atinge o seu auge quando concretiza plenamente aquilo para cuja realização foi equipada"
Jack London, in Caninos Brancos, p. 71

Terminei há alguns dias atrás a leitura de Caninos Brancos, um dos livros mais reputados dos escritor John Griffth Chaney, mais conhecido como Jack London. O americano é um dos maiores narradores da literatura inglesa de todos os tempos. Não me recordo quando, mas há bastante tempo eu havia lido um dos seus primeiros sucessos: "O chamado da floresta". Quando li o referido livro fiquei com uma sensação gostosa. Jack London tem a habilidade de nos arrebatar com seus textos.

Considerei por muito tempo a facilidade com a qual London sabia criar uma boa história. Com Caninos Brancos não é diferente. Deve ser por causa dessa característica, que o escritor alcançou tão grande sucesso. Seu texto é simples; sua capacidade para descrever cenários e sensações é singular. Enquanto lia a história de Caninos Brancos, nascido na floresta, região do Rio Mackenzie, no Klondike, lugar onde London esteve como aventureiro, imaginei aquelas porções desertas, silenciosas, grávidas de beleza. Quando se fala de London, a sua vida já seria um motivo literário. Foi jornalista, militante político, aventureiro, vagabundo, marujo, garimpeiro, romancista, mulherengo, alcóolatra, autodidata, socialista. Sua curta vida (quarenta anos) foi febricitante. É como se ele tivesse acumulado nesse curto espaço tempo o máximo de experiências para ter combustível para os seus romances.

Sobre o fato de ter sido socialista é interessante afirmar que há uma blague do Graciliano Ramos sobre o escritor, citado em Retrato Fragmentado, escrito pelo Ricardo Ramos. Conta Ricardo que perguntou ao Velho Graça: "E Jack London?" O Graça respondeu: "Bom, ninguém discute. E também ruim, discursivo. Leu Marx sem digerir". Graça não deixa de está certo quando diz que London é discursivo, sobre o fato de ser ruim eu discordo. De fato, o escritor de O lobo do mar é um bom contador de histórias. Apenas isso. Todavia, pode se apontar algumas lições sobre suas histórias. Mas, no fundo, acredito que seja um dos tantos ditos pilheriosos de Graciliano Ramos. Ele gostava de falar essas coisas. Como em certo episódio contado por Dênis de Moraes. Um jovem curioso e diletante o inquiriu sobre Machado de Assis. Graça respondeu: "Um burro!". O jovem silenciou e seu interesse se esfumaçou.

Deixemos a divagação. Por exemplo, em O chamado da floresta, London mostra como uma criatura civilizada (o cão Buck), ao entrar em contato com a natureza, transforma-se em algo selvagem. A natureza chama o cão. Deposita nele os instintos naturais. Molda-lhe as feições. Em Caninos Brancos temos o contrário. O lobo mestiçado com cão, migra da natureza para a civilização. A natureza lhe dar a força indômita. A energia predadora. A inteligência indomável. A ferocidade inquebrável. Mas a sociedade dociliza os seus instintos. Treina-o para a submissão. Faz com que ele crie um vínculo amoroso com o dono. 

Enquanto lia o livro fiquei analisando a capacidade de London em adentrar em pormenores da psicologia lupina. Como um sujeito consegue criar tão bela descrição da mente de um animal? Não pude deixar de lembrar de Baleia, o maior exemplo da literatura brasileira. É importante frisar que as descrições da psicologia canina em Baleia são muito mais bonitas e existencialmente perturbadoras do que em Caninos Brancos. Todavia,  o modo como o americano narra, apreende-nos. Graciliano nos tortura com seu realismo. Com a dissecação de um cadáver a qual ele, narrador, não mostra comiserção. Aprofunda o corte de seu bísturi e mostra os nervos. É isso que nos emociona. Que provoca impressão profunda. London, por sua vez, imprime um dinamicidade na narrativa que a torna bela, enxuta, escorreita, ágil. 

Ele amadureceu como contador de história. O fato é que London reflete, talvez influenciado por Nietzsche, de quem era grande leitor, talvez influenciado por Spencer, outra paixão, sobre uma lei que rege os sujeitos que estão sob os poderes da natureza. Essa guerra natural define o destino dos homens. Os mais fortes prevalecem. De certa forma, essa é a filosofia de Caninos Brancos. A natureza nos treina para a guerra e somente os mais adaptados a essas condições conseguem sobreviver. Como na frase que encontramos no livro: "...no poder é que repousa a divindade" (p.137)

Tenho aqui em minha biblioteca outro livro dele (O lobo do mar), que ainda não li. Acendeu uma vontade enorme de fazê-lo. Se não me falha a memória tenho, também, A paixão do socialismo - de vagões e vagabundos & e outras histórias, de sua autoria. Hoje dei uma olhada em um outro título seu que me cahmou a atenção. Chama-se Antes de Adão e me pareceu um texto mais sério. Cheio de motivos filósoficos. Uma defesa do materialismo e do evolucionismo.

Minhas férias estão chegando. Aproveitarei para ler alguns texto ruins e discursivos de London, como disse o Velho Graça.

2 comentários:

charlles campos disse...

Nunca li London. Gente como o Graciliano tem o costume de desprezá-lo como escritor menor, mas vejo isso como um certo ar de subdesenvolvimento em relação à literatura de gênero que temos, como disse Bolaño em relação aos latino-americanos. London influenciou a geração beat, através de Kerouac, que pegou a estrada depois de ler uma biografia sobre o autor_ aliás uma biografia que dizem ser muito boa, já procurei mas não achei.

Muito esclarecedor seu texto. Tenho que ler London o mais rápido possível.

Carlinus disse...

Acredito que você vá gostar. Lerá de forma rápida os livros do americano. Enquanto pensava em London, lebrei, também, de Kerouac. Os espírito aventureiro de London, com certeza, que deve ter sido um motor de inspiração para sujeitos como Kerouac, apesar de não ter lido ainda o autor de "On the Road". Mas pelo que já li sobre ele, Kerouac e London andam em trilhas bem próximas. Cada um celebrando as características de sua geração.

Abraços e obrigado pelo comentário.

P.S. Hoje me chegou "A Montanha da Alma". Estou curioso para ler.