segunda-feira, novembro 19, 2012

Livros e uma sensação de pequenez II

Um viciado em algo sempre faz promessas de que não vai voltar a cometer o vício que o oprime. Ao perceber que errou, que voltou ao vício, escadaliza-se. Perscruta sua figura mofina e, no fundo, sente-se impotente. É assim que me vejo. O vício pelos livros me coloca numa ciranda. Em um carrossel que sempre me leva ao mesmo lugar: novas compras. 

Há alguns dias atrás, enquanto observava alguns títulos na Livraria Saraiva (virtual), acabei comprando nove livros. Algumas dessas indicações são do Charlles Campos. O sujeito anda a me mostrar cenários literários amplos e aquilo me confunde. Deixa-me aturdido. Fico a falar para mim mesmo: "Cacete! Não é possível...". E acabo fazendo listas escrupulosas. Somas imensas. Disciplinas metódicas. Afundo-me numa azáfama enorme. Embruteço.

As exigências do dia. O trabalho. As provas que tenho que preparar e corrigir. As aulas que tenho que organizar me afasta de minhas intenções. O feriado, o recesso ou o final de semana se constituem em oásis necessários e as horas acabam sendo disputadas. A mulher deseja contatos sociais. Em uma dessas exigências, quer que eu vá à igreja. Que eu me enverede pela crença desarrazoada e cacete. E, eu, misantropo, silencio num gesto atrabiliário.

Hoje, ao chegar à minha casa, encontrei uma caixa com os nove títulos. Tentei esconder. Discretiei de minha esposa. Ela anda a direcionar invectivas contra os meus hábitos de bibliófilo. Repreende-me pela desorganização. Livros próximo ao sofá; em cima de bancos; sobre a mesa. O apartamento de um quarto mostra-se exíguo como o meu peito diante dessa infinidade impossível. O meu sonho fáustico gera uma sina terrível. Amofino-me numa estupidez acabrunhante.

A caixa ainda está lacrada. Dentro dela, os títulos: Viagem ao fim da noite, Celine; O primeiro homem, Camus; Herzog, Saul Bellow; O rinoceronte, Ionesco; A história da morte no Ocidente, Ariès; dois tomos de A cidade de Deus, Santo Agostinho, livros que tenciono ler há muito tempo; A Câmara Clara, Barthes; e Com a morte na alma, Sartre.

Recordo-me ainda que comprei, ontem, três outros títulos. Todos do esloveno Slavoj Zizek: Às portas da revolução: escritos de Lênin de 1917; A Visão em Paralaxe; e Lacrimae Rerum.

Cabe lembrar, ainda, de uma biografia sobre James Joyce e o livro A montanha da alma, de Gao Xingjian. E uma sensação estranha me acomete. Deve ser aquilo que Fausto sentiu no final da vida ou aquilo que Camus escreve em o Mito de Sísifo. Subi com a pedra até o alto da montanha, mas a pedra voltou a correr morro abaixo. Desçamos e tentemos subir mais uma vez. Lutemos enquanto caminhamos montanha acima.

3 comentários:

charlles campos disse...

Hahahhaa. Que bom saber que estou sendo um demônio falando a seu ouvido, em minha humilde condição de danado. Se nos conhecêssemos pessoalmente, acho que sua esposa ficaria menos de sobreaviso, afinal a minha esposa aprecia com segurança os amigos letrados que tenho, e nossa obsessão não por mulheres, mas pelos livros. 9 livros! Quase todo o Zizék! Uma nota muito bem investida. Ah, não sei se o Montanha da Alma pegastes também em meu blog, mas é um livro que guardo uma convivência muito íntima, um belíssimo romance. Vais gostar de tudo, meu amigo. Alguns destes que comprou eu ainda não o li, e fica aqui a influência cruzada, pois verei se compro o Santo Agostinho, que há muito desejo ler.

Forte abraço, meu chapa!

Carlinus disse...

Apesar de gostar muito de livros desde pequeno, despertei ainda mais para a literatura lendo os teus posts e percebendo a tua caminhada como homem "letrado" que lê - e lê muito bem!

A minha esposa me entende. Apenas não gosta da bagunça. Já cogitei a possibilidade de ir até essa tua cidade, que acredito não está tão longe de onde moro aqui em Brasília - Taguatinga. Queria conhecer a tua biblioteca. Essa coisa sempre desperta o meu interesse.

Com relação à "Montanha da alma", eu peguei do teu blog. Acredito que tenha sido em uma citação sobre a tua última descoberta - Murakami. A descrição que andaste fazendo por lá despertou a minha atenção. Sempre guardei uma curiosidade muito grande pelo mundo natural da china milenar. Não sei já viste, mas há algum tempo atrás eu assisti a um filme chamado "Balzac e costureirinha chinesa", que é uma verdadeira poesia. Se não viste, peço para que não deixes der ver. É uma obra que se passa na China maoísta. É uma belíssima obra que põe na balança poesia, natureza, repressão e literatura.O resultado é grandioso.

Com relação a Santo Agostiho: admiro muito o velho monge cristão, apesar de ultimamente andar às turras com a religião, principalmente a cristã. E olhe que sou bacharel em teologia. Estudei teologia para ser pastor. Agostinho foi um monstro do pensamento ocidental. Ele e Paulo invejtaram o cristianismo como o conhecemos. Suas "Confissões" possui uma visceralidade existencial e psicológica não encontrada facilmente em qualquer obra. Talvez, somente Montaigne falaria mais tarde de si com tanta honestidade. O que diferencia os dois é que o último o faz com sarcasmo e ironia; Agostinho, por sua vez, em sua crença, constrói um painel fantástico sobre a alma humana. "A cidade de Deus" é uma intenção antiga. Meu irmão possui uma versão em espanhol que eu nunca quis encarar. Recentemente "As vozes de bolso" lançou uma edição barata e acessível. Nao deixa de lançar a tua percepção, se vieres a ler.

Forte braço, meu caro!

charlles campos disse...

As portas estão abertas para você, Carlinus.

Não vi e não conhecia este filme, e vou atrás.

Montaigne eu tenho os ensaios completos, nos três volumes da Martin Fontes, e é imprescindível!

Apesar de tudo, AINDA sou cristão, e Agostinho me interessa muito. À propósito, há um livro que talvez você irá gostar, que é uma recorrência nas citações do Zizék (por mais que, na primeira vista, seja surpreendente): o Ortodoxia, do Chesterton. A edição nacional é primorosa e de bom preço.

Desculpe o laconismo, mas é que estou cansado hoje.

Forte abraço.