
O livro, ao meu modo de ver, é dividido em três momentos: (1) a descrição inicial da vida e da morte materna da personagem principal, Meursault; sua vida de trabalhador de um escritório e suas preocupações burocráticas; e a atividade sexual com Marie. (2) o assassinato cometido por Meursault, seu julgamento e a sentença de morte. (3) a consciência adquirida por Meursault na cadeia. O último capítulo, por exemplo, é aquele que mais me chamou a atenção.
Após ter sido condenado à morte pelo tribunal, Meursault é recolhido à prisão e passa a ruminar a existência. Rejeita a visita do capelão da prisão por diversas vezes. Até que certo dia, este aparece e tenta estabelecer um diálogo com uma finalidade bem óbvia: o arrependimento e a conversão à fé, como fica claro no diálogo estabelecido pelos dois. Todavia, Meursault se nega a este artifício. O padre tenta derrogar a obstinação de Meursault, mas em vão.

Para explicar isso, é conhecido a alegoria criada pelo escritor em um ensaio de 1941, conhecido como O mito de Sísifo, para exemplificar em que a vida está estribada. Segundo ele, Sísifo, personagem da mitologia grega, foi condenado pelos deuses a rolar uma pedra de peso e proporções enormes por um aclive. O trágico da existência de Sísifo é que, todas as vezes que ele chegasse ao cume da montanha, a pedra rolaria monte abaixo. E Sísifo empreenderia a ação infinitamente, sempre de maneira infausta e deprimente. O seu esforço redundaria sempre em insucesso.
Como um bom existencialista, Camus sabia que a única possibilidade é, de enquanto rolamos a pedra montanha acima, nos ocuparmos com um projeto que abra janelas de sentidos. É assim que surge a frase como um lampejo de luz nessa atmosfera agônica e trágica em O estrangeiro: "Mamãe costumava dizer que nunca se é completamente infeliz. Mesmo na prisão..." (p. 113). Ou seja, mesmo condenados a vivermos no absurdo podemos experimentar as cintilações de beleza do universo. Mas a pedra... ah! a pedra rolará, pois estamos condenados a isso...
P.S. Luchino Visconti, que adaptou belamente Morte em Veneza, de Thomas Mann, filmou em 1967 O Estrangeiro, de Camus. Vale a pena ver. Pode ser encontrado no Youtube.
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