domingo, maio 12, 2013

O absurdo de existir - O estrangeiro, de Albert Camus

Terminei a leitura de O estrangeiro, de Albert Camus, escritor existencialista franco-argelino e fiquei pensando nas cenas do último capítulo. O livro é uma narrativa curta. Fácil. De leitura de fluência prazerosa. O que impressiona no livro é a carga densa de filosofia instilada da existência da personagem Meursault. O Estrangeiro talvez seja a obra mais conhecida de Camus, juntamente com A peste e o Mito de Sísifo

O livro, ao meu modo de ver, é dividido em três momentos: (1) a descrição inicial da vida e da morte materna da personagem principal,  Meursault; sua vida de trabalhador de um escritório e suas preocupações burocráticas; e a atividade sexual com Marie. (2) o assassinato cometido por  Meursault, seu julgamento e a sentença de morte. (3) a consciência adquirida por  Meursault na cadeia. O último capítulo, por exemplo, é aquele que mais me chamou a atenção. 

Após ter sido condenado à morte pelo tribunal, Meursault é recolhido à prisão e passa a ruminar a existência. Rejeita a visita do capelão da prisão por diversas vezes. Até que certo dia, este aparece e tenta estabelecer um diálogo com uma finalidade bem óbvia: o arrependimento e a conversão à fé, como fica claro no diálogo estabelecido pelos dois. Todavia, Meursault se nega a este artifício.  O padre tenta derrogar a obstinação de Meursault, mas em vão. 

É curiosa essa citação do livro: "Mas todos sabem que a vida não vale a pena ser vivida. No fundo, não ignorava que tanto faz morrer aos 30 anos ou aos 70 anos, pois, em qualquer dos casos, outros homens e outras mulheres viverão, e isso durante milhares de anos". (p. 114). Impressiona o niilismo dessa afirmação e aqui chegamos, talvez, a um dos fundamentos básicos da filosofia de Camus: o absurdo. O que é viver? Para quê serve a vida? Em que ela deve se sustentar? 

Para explicar isso, é conhecido a alegoria criada pelo escritor em um ensaio de 1941, conhecido como O mito de Sísifo, para exemplificar em que a vida está estribada. Segundo ele, Sísifo, personagem da mitologia grega, foi condenado pelos deuses a rolar uma pedra de peso e proporções enormes por um aclive. O trágico da existência de Sísifo é que, todas as vezes que ele chegasse ao cume da montanha, a pedra rolaria monte abaixo. E Sísifo empreenderia a ação infinitamente, sempre de maneira infausta e deprimente. O seu esforço redundaria sempre em insucesso. 

Para Camus, a existência é esse jogo com o absurdo. Outro exemplo tirado de uma outra alegoria criada por ele, é a de alguém enfrentando um exército armado com metralhadores e canhões, apenas com uma espada. Tamanho quixotismo é a encenação que se dá no teatro da vida. Por mais que se busque um subterfúgio (a religião, os prazeres, o consumismo etc) para tampar o realismo desse sol devorador, tal tentativa não minora essa coisa assombrosa que é existir. Existir é estar nu diante de si e da consciência do mundo. Vive-se em um universo imparcial, sem Deus

Como um bom existencialista, Camus sabia que a única possibilidade é, de enquanto rolamos a pedra montanha acima, nos ocuparmos com um projeto que abra janelas de sentidos. É assim que surge a frase como um lampejo de luz nessa atmosfera agônica e trágica em O estrangeiro: "Mamãe costumava dizer que nunca se é completamente infeliz. Mesmo na prisão..." (p. 113). Ou seja, mesmo condenados a vivermos no absurdo podemos experimentar as cintilações de beleza do universo. Mas a pedra... ah! a pedra rolará, pois estamos condenados a isso...

P.S. Luchino Visconti, que adaptou belamente Morte em Veneza, de Thomas Mann, filmou em 1967 O Estrangeiro, de Camus. Vale a pena ver. Pode ser encontrado no Youtube. 

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