domingo, maio 26, 2013

"O vento será sua herança" e o fanatismo contra a razão

Terminei de assistir ao filme O vento será sua herança ("Inherit the wind"), de 1960. O filme retrata um dos casos mais emblemáticos da história do judiciário americano. Trata-se da acusação contra o jovem professor, de 25 anos de idade, John T. Cates. Tal fato ficou conhecido como o Julgamento do Macaco ("Monkey Trial") e teve repercussão mundial. Na pequena cidade de Dayton, em 1925, no estado do Tennessee, as leis eram derivadas dos ensinamentos bíblicos. Nessa cidade (no filme, Hillsboro), o professor Bertran Cates (que no filme tem o nome mudado para John T. Cates) ensina em uma escola pública as concepções do darwinismo, sem que professe como convicção pessoal a conhecida teoria de Darwin. 

O professor é preso e são convidados para o caso os polemistas Henry Drummond - defesa - e Matthew H. Brady) - acusação. A acusação contra o professor se baseava no fato de ter desobedecido uma lei estadual que proibia os funcionários públicos de negarem os princípios do criacionismo. Nas sessões do tribunal, a população da cidade fica contra o professor. Na verdade, é compreensivo tal fato, pois as tradições da comunidade estavam sendo questionadas. As crenças geram um conforto psicológico. Quando determinada crença é questionada, há necessariamente uma desestabilização, gerando um conflito consequente.

Acontecem quatro sessões. A terceira é a mais dramática. É aquela em que é o advogado de defesa convida de forma irônica o promotor para ser interrogado. Na sessão número 2, o advogado de defesa tivera negada a possibilidade de entrevistar importantes cientistas e professores eminentes. Na terceira, de forma irônica, mune-se de uma bíblia para julgar o promotor, considerado um perito no conhecimento das escrituras. Aqui percebemos um gracejo feito pelo advogado de defesa, já que às autoridades científicas havia ocorrido uma negativa.

Henry Drummond utiliza como estratégia questionar alguns pontos bem sensíveis do texto bíblico como, por exemplo, a história da criação, o mito de Jonas e narrativa que conta que Josué fez o sol ficar inerte no céu. Tais argumentos foram elaborados de tal forma que fizeram o promotor caí em contradição. Ao final da sessão, ele estava bastante abalado, desorientado. O que o faz ir para casa e escrever uma extensa prédica a favor do criacionismo. 

Na quarta e última sessão, na qual teria o veredicto proferido, o professor é condenado. Sua condenação resume-se a pagar uma multa de cem dólares. Matthew H. Brady, responsável pela acusação, protesta veementemente. Quando a sentença é proferida, inicia o seu discurso tresloucado. E no calor da saraivada raivosa e conservadora acaba tendo um enfarte e morre seis dias depois. Sua morte simboliza a morte dos valores retrógrados e ensejando o surgimento de novas concepções.

O filme do diretor Stanley Kramer deixa-nos uma relevante reflexão, posto que nos alerta contra os dogmatismos, sejam eles religiosos ou "a-religiosos" - este último é aquele tipo de dogmatismo que tenta divergir da religião, mas acaba se tornando outra religião. Em todas as épocas da história a intolerância sempre esteve presente. O direito à liberdade de pensamento fizeram com que Sócrates, Giordano Bruno, Galileu Galilei ou Charles Darwin fossem perseguidos por desferirem golpes filosóficos nas ideias estabelecidas.

A religião, talvez, seja uma das dimensões do ser humano mais geradoras de conflitos. O religioso crente em seu dogma é preconceituoso, possui visão curta e não está aberto a qualquer debate. Se a linguagem diverge contra a sua, aquele que profere esta sentença é digno de um tribunal. 

Como fica bem claro no filme, o que distingue o homem dos outros seres da natureza é justamente a sua capacidade de pensar. Se deus fez o homem conforme está escrito nos "poemas sagrados" não lhe seria negada a possibilidade de ousar com a razão. Como fala do advogado de defesa: "Que outro mérito nós temos? O elefante é maior, o cavalo é mais veloz e mais forte... a borboleta é mais bonita, o mosquito é mais prolífico... até mesmo uma esponja é mais duradoura". 

P.S. O nome do filme é baseado no texto de Provérbios 11.29: "Aquele que perturba sua casa herdará o vento...". 

Excelente filme!

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