quarta-feira, maio 01, 2013

Rubem Braga - "um poeta espião da vida"

"Um escritor é um homem cuja matéria de trabalho é a palavra. Sua diginidade consiste em dizer a verdade, isto, reivindicar para cada palavra o seu valor".
Rubem Braga, in Retratos Parisienses, p. 126

Este ano, o nosso país comemora o centenário do nascimento do escritor capixaba Rubem Braga, um dos nomes mais importantes do jornalismo brasileiro no século. O que é singular em Braga é que ele se tornou uma referência literária apenas escrevendo crônicas. Escreveu mais de 15 mil. Um número bastante expressivo. Morreu em 1990.

O primeiro contato que tive com o escritor nascido em Cachoeiro do Itapemirim foi no livro "Ai de ti, Copacabana", que li em 1998. Revisitei-o outra vez alguns anos mais tarde. Trata-se de um dos livros mais belos que já li. É curioso perceber como alguém conseguiu dominar com tanta maestria esse estilo literário. Afonso Romano Sant'Anna, outro excelente cronista, diz que "o cronista é um escritor crônico". Mais que um jogo de palavras, a frase quer apontar a contumácia, teima, a produção pródiga do cronista. Para o cronista, tudo é motivo para se produzir - a mulher, o dia, a manhã, a criança que brinca no pátio, os problemas da política, os intelectuais, o ônibus lotado, a árvore, a mulher que espera o homem, o velho sentado na praça etc.

Com Rubem Braga esse fato tornou-se algo efetivo. Em "Ai de ti, Copacabana", Braga desfere golpes com pétalas de flores. Seu olhar é privilegia o instante. Observador preciso, Braga parece contar as palavras para exatificam esse instante. As crônicas mais belas do livro são aquelas que ele se voltou para um fragmento do tempo, como um observador que se atém em um pedaço de uma paisagem. 
Terminei a leitura de um livro recente, editado pela José Olympio. E, mais uma vez, pude recuperar a emoção de ler o Rubem. O livro, lançado este ano, se chama "Retratos Parisienses". Fiquei sabendo da existência do livro na edição de março da Revista Cult. Trata-se da compilação feita pelo professor de Literatura Brasileira e poeta Augusto Massi. O livro reúne crônicas inéditas, escritas em 12 meses em que Braga esteve em Paris - entre 1950 e 1951. 

O livro busca mostrar outra faceta do escritor - o de cronista cultural. No livro, Braga centra o foco sobre importantes personalidades artísticas e políticas da Europa do pós-guerra - Sartre, Thomas Mann, Picasso, Cocteau, Andre Bretton, Marc Chagall, Juliette Gréco, Louis-Ferdinand Céline entre outros. Braga, apesar de ter ido a Paris como jornalista, subverte, quando entrevista algumas dessas personalidades, a ideia jornalística de que uma eentrevista deve ser realizada com perguntas e respostas. 

É interessante notar a habilidade preservada de Braga, no livro, para descrever de forma incisiva e contundente, os traços de determinada pesonalidade. Ele consegue, com poucas palavras, fornecer uma imagem precisa do retratado. Por exemplo, quando descreve Cocteau, usa as seguintes palavras de uma precisão assustadora:

Não sei a idade de Cocteau; deve estar entre os cinquenta e os sessenta anos; os cabelos são grisalhos sobre a testa alma mas fina; há uma coroa, que os cabelos não chegam a dissimular bem, como se ele fosse um padre renegado. A cara magra, nervosa e triste, talhada de rugas; o nariz bem-traçado e firme; a boca pequena, as orelhas pontudas agarradas à cabeça. Tudo isso lhe dá um ar mesmo tempo de cansaço e de atividade; os olhos pequenos, as pálpebras fatigadas, são alternativamente vivos e sonhadores. Fala com rapidez e facilidade, e sua conversa prende, proque passa incessantemente de observações práticas e precisas para coisas de poesia e sonho. Sente-se que ele vive a um só tempo nesses dois mundos; confunde-os em só, a que chama realidade.

Percebe-se em Rubem a habilidade para o ofício de escrever. As palavras eram arranjadas de forma matemática. Ele garimpava a palavra. Burilava. Dispensava o superflúo. Como diz André Seffrin, Rubem Braga era "um poeta espião da vida".

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