sábado, outubro 14, 2017

"A vida de Émile Zola" e o ódio como força social

"Devemos conquistar o mundo... ...mas não pela força das armas, mas sim por meio de ideias liberadoras". Émile Zola

"A verdade está em marcha... e nada a deterá". Émile Zola

Existem forças que parecem ser maiores do que aquelas que possuem os indivíduos. Há situações em que os rumos dos fatos sugerem a desistência. Mas, e quando o que está em jogo é a verdade, a justiça, a vida de alguém? É sobre este fato que o filme A vida de Émile Zola, de 1937, direção de William Dieterle, mira os seus holofotes. 

Um terço do filme aborda a vida difícil do famoso escritor de Germinal antes de alcançar a glória literária. Vivia humildemente, carregando o fardo pesado da pobreza. De repente, uma enxurrada de obras que sacudiram as letras na França e na Europa - Nana, Germinal, A besta humana, entre outras, surgiram e trouxeram fama ao escritor. 

A parte final do filme, põe em foco Alfred Dreyfus, oficial do exército francês, acusado injustamente pelo crime de traição e espionagem. Foi condenado por uma sentença questionável. Um tribunal de exceção, montado pelo próprio Exército, o condenou ao banimento e à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. 

É neste posto que entra a pessoa de Zola. A esposa de Dreyfus recorre a ele. Solicita por ajuda. Zola se nega. Não quer sair da comodidade. Afinal, era um sujeito reconhecido e respeitado. Arregaçar as mangas, cerrar os punhos e sair para a briga exigiria que ele saísse de seu divã de comodidades; do lugar conveniente a que havia alcançado. 

Após entender o caso, Zola não hesita e resolve escrever o famoso documento Eu acuso, que caiu como uma bomba no território francês. De repente, a sociedade francesa estava dividida por aqueles que pediam a manutenção da prisão de Dreyfus e aqueles que exigiam uma reconsideração da sentença. Zola transforma-se em inimigo público. Seus livros são queimados. Corre para não ser linchado. Percebe um cerco em torno de sua pessoa. É condenado a prisão e a pagar uma multa de três mil francos, também, por uma tribunal parcial. Foge para a Inglaterra. De lá, continua a escrever, protestar, a usar a razão.

É curioso como um turbilhão negativo de ódio e raiva toma as pessoas. Para isso acontecer, há uma força invisível, ardilosa, a influenciar, a colocar sentenças nas cabeças das pessoas. A sociedade parece se transformar numa tromba d'água poderosa, capaz de arrastar tudo que está à sua frente. Não há barreiras capazes de impedir o seu avanço. A sua força destruidora ganha dimensões assustadoras. Parece-se muito com aquilo que aconteceu no Brasil a partir de 2013. 

Os últimos acontecimentos com o Partido dos Trabalhadores provam isso. O caso é bem diferente, claro. O PT não é inocente como Dreyfus o era. Tomemos como exemplo a deposição de Dilma Rousseff, a primeira mulher impeachmentmada da história do Brasil.  Em alguns momentos, pronunciar o nome dela era como emitir um palavrão. Semana passada, estava em sala de aula trabalhando alguns exercícios sobre pronomes com os meus alunos de ensino fundamental; crianças com apenas onze ou doze anos. Surgiu uma foto da Dilma. De repente, notei as falas indignadas dos meus alunos. Xingamentos. Afirmações hostis. Ironias. Não retruquei. Apenas observei. Devem ter escutado dos pais. Dos parentes. Dos vizinhos. Visto na televisão. Passado mais de um ano de seu impeachment, o ódio coletivo parece ainda envenenar as mentes e bloquear a razão - até mesmo das crianças.

O que o Caso Dreyfus prova é o quanto as pessoas podem ser acometidas por doenças coletivas. Como é necessário manter a razão, o discernimento, o bom senso funcionando. Deixar de lado as falas apressadas, precipitadas. Não ter a sua inteligência suspensa. Não permitir que o rio impetuoso da ignorância nos afogue. Indagar. Manter aquele olhar de sobriedade e desconfiança. Todos aqueles que alegam possuir a verdade estão condenados a se tornarem inquisidores. As inquisições matam, esfolam, praticam atos bárbaros, desumanos. 

A luta de Zola o leva a provar a inocência de Dreyfus. Triunfa, finalmente, a verdade. Dreyfus é restabelecido ao posto. Não entrou com uma ação contra o estado francês. Todavia, o estrago estava feito. O filme nos faz pensar sobre como a parcialidade dos homens pode induzir a situações em que indivíduos têm as suas vidas públicas e privadas estraçalhadas pela vilania e pela traição. A verdade é forte, cristalina, luminosa. Se ela prevalecesse em todos os casos, não haveria tantas injustiças e desumanidades no mundo. 


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