sexta-feira, fevereiro 08, 2019

"Diário de um homem supérfluo", de Ivan Turguêniev, algumas palavras.


Li o “O diário de um homem supérfluo”, de Ivan Turguêniev, de um fôlego. Livro magro (de espessura), mas cheio de elementos literários de grande riqueza. Trata-se de uma daquelas novelas russas costumeiramente curtas como “A morte de Ivan Ilich” e “Padre Sérgio”, de Tólstoi; ou “O capote”, de Gógol; ou ainda “Memórias do Subsolo”, de Dostoiévski.  De início é importante dizer que é fascinante. Possui um existencialismo com características niilistas. O sujeito circunscrito pela inércia, observador de si e do tempo histórico que o cerca é “o homem supérfluo”. O homem supérfluo é um tipo literário, um arquétipo  moral do homem russo pertencente à aristocracia. Ele carrega os dramas de uma geração. É a voz que afirma um tipo de criação essencialmente russa.

O personagem central da história do “Diário” é Tchulkatúrin. Ele não pode ser classificado como camponês, como um homem do povo. Possui uma posição privilegiada. Apaixona-se por Liza, filha de um potentado local, que possui um grande número de servos. A história é contada em forma de diário, durante um período de 10 dias (20 de março a 1° de abril). Ou seja, durante o início da primavera. A escolha da primavera não se dá por acaso. A primavera é a estação da vida; do cio; do coito; de uma  febril atividade por todos os recantos da natureza.  

Tchulkatúrin, o herói, é uma contradição insinuante. A personagem corteja a bela moça. Apaixona-se por ela. Imagina que é correspondido. Percebe que estava errado. Ela se apaixona pelo príncipe N*, de São Petersburgo. Vale mencionar que a cidade fora construída pelo czar Pedro, o Grande com a finalidade de ser a mais europeia e cosmopolita cidade da Rússia. Foi construída para ser um reduto de desenvolvimento. As ideias elevadas do continente  passaram a fazer parte da elite que vivia à sombra czar. O francês e o alemão faziam parte da formação desce nicho da sociedade russa. 

O príncipe é um representante desse segmento.  Liza passa a alimentar uma aversão pelo herói.  O príncipe é um nobre. Há uma imanência superior que encanta a todos. Tchulkatúrin percebe-se. Mira-se. Sabe da sua condição. Avalia a paixão de Liza pelo príncipe. Colhe a inimizade da família. Afasta-se. A jovem Lizavieta nutre expectativas. Mas o príncipe volta para São Petersburgo. Com a partida do príncipe, Tchulkatúrin enxerga uma possibilidade de reconciliação. O surpreendente acontece – a família (o pai e a mãe) da jovem o recebe de volta. Todavia, Liza o humilha. Ela nunca estivera interessado por ele. A percepção de Tchulkatúrin era falha, inadequada. 

Turguêniev escreveu o “Diário” por volta de 1850. A censura cortou algumas afirmações da obra. Eram os tempos de Nicolau I. A Rússia não havia se libertado da censura. Apesar das mudanças no âmbito da cultura, havia uma forte vigilância na vida social. Um abismo enorme separava o povo da aristocracia que liderava o país. Uma população camponesa, estava mergulhada na miséria e no servilismo histórico. Uma das áreas em que havia uma relativa liberdade era a literatura. A literatura, desse modo, passou uma área de experimentações, de vocalização, de afirmar um modo de ser.

                O “Diário” é, do ponto de vista político, um importante retrato de uma Rússia inerme, angustiada por causa da camisa de forças que foi colocada sobre ela. O homem supérfluo é o sujeito fraco. Impossibilitado dos grandes feitos. É o astro sem céu para brilhar. É a inteligência afiada sem céu possibilidade de torná-la executável. 
                                                                                                                                                                                                                      

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