Li o “O diário de um homem
supérfluo”, de Ivan Turguêniev, de um fôlego. Livro magro (de espessura), mas
cheio de elementos literários de grande riqueza. Trata-se de uma daquelas
novelas russas costumeiramente curtas como “A morte de Ivan Ilich” e “Padre
Sérgio”, de Tólstoi; ou “O capote”, de Gógol; ou ainda “Memórias do Subsolo”,
de Dostoiévski. De início é importante
dizer que é fascinante. Possui um existencialismo com características
niilistas. O sujeito circunscrito pela inércia, observador de si e do tempo
histórico que o cerca é “o homem supérfluo”. O homem supérfluo é um tipo
literário, um arquétipo moral do homem
russo pertencente à aristocracia. Ele carrega os dramas de uma geração. É a voz
que afirma um tipo de criação essencialmente russa.
O personagem central da história
do “Diário” é Tchulkatúrin. Ele não pode ser classificado como camponês, como
um homem do povo. Possui uma posição privilegiada. Apaixona-se por Liza, filha
de um potentado local, que possui um grande número de servos. A história é
contada em forma de diário, durante um período de 10 dias (20 de março a 1° de
abril). Ou seja, durante o início da primavera. A escolha da primavera não se
dá por acaso. A primavera é a estação da vida; do cio; do coito; de uma
febril atividade por todos os recantos da natureza.
Tchulkatúrin, o herói, é uma contradição
insinuante. A personagem corteja a bela moça. Apaixona-se por ela. Imagina que é correspondido. Percebe que estava errado. Ela se apaixona pelo príncipe N*, de São Petersburgo. Vale mencionar que a
cidade fora construída pelo czar Pedro, o Grande com a finalidade de ser a mais europeia e cosmopolita cidade da Rússia. Foi construída para ser um reduto de
desenvolvimento. As ideias elevadas do continente passaram a fazer parte da elite que vivia à
sombra czar. O francês e o alemão faziam parte da formação desce nicho da
sociedade russa.
O príncipe é um representante
desse segmento. Liza passa a alimentar uma aversão pelo herói. O príncipe é um nobre. Há uma imanência
superior que encanta a todos. Tchulkatúrin percebe-se. Mira-se. Sabe da sua
condição. Avalia a paixão de Liza pelo príncipe. Colhe a inimizade da família.
Afasta-se. A jovem Lizavieta nutre expectativas. Mas o príncipe volta para São
Petersburgo. Com a partida do príncipe, Tchulkatúrin enxerga uma possibilidade
de reconciliação. O surpreendente acontece – a família (o pai e a mãe) da jovem
o recebe de volta. Todavia, Liza o humilha. Ela nunca estivera interessado por
ele. A percepção de Tchulkatúrin era falha, inadequada.
Turguêniev escreveu o “Diário”
por volta de 1850. A censura cortou algumas afirmações da obra. Eram os tempos
de Nicolau I. A Rússia não havia se libertado da censura. Apesar das mudanças
no âmbito da cultura, havia uma forte vigilância na vida social. Um abismo
enorme separava o povo da aristocracia que liderava o país. Uma população
camponesa, estava mergulhada na miséria e no servilismo histórico. Uma das áreas
em que havia uma relativa liberdade era a literatura. A literatura, desse modo,
passou uma área de experimentações, de vocalização, de afirmar um modo de ser.
O “Diário” é, do ponto de vista
político, um importante retrato de uma Rússia inerme, angustiada por causa da
camisa de forças que foi colocada sobre ela. O homem supérfluo é o sujeito
fraco. Impossibilitado dos grandes feitos. É o astro sem céu para brilhar. É a
inteligência afiada sem céu possibilidade de torná-la executável.
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