domingo, maio 24, 2020

"A Queda! As últimas horas de Hitler" e o que nos atinge

Terminei de assistir ao filme "A Queda! As últimas horas de Hitler" (2004). E, quando abro o Facebook, o jornal Metrópoles traz essas patéticas fotos. As cenas do filme ainda estão na minha cabeça. Tento criar um paralelo com aquilo que vivemos. "A Queda" é um filme angustiante; repleto de uma psicologia da morte, do genocídio, da loucura. É doloroso assistir a Magda, esposa de Goebbels, matar as seis filhas envenenadas. Diz ela em outra cena, quando a questionam sobre a possibilidade de deixar as filhas viverem, que 'se o ideal do nacional-socialismo morresse, não haveria futuro'. Ou seja, não haveria mundo possível para as filhas sem o nazismo.

O excelente filme traz o saudoso Bruno Ganz no papel de Hitler. O ditador diz em uma das torturantes cenas do filme algo que me faz pensar sobre a singular demência que habita a cabeça de um tirano. Nota-se o quanto sua ideologia é deletéria: "A vida não perdoa a fraqueza. Esta suposta humanidade não passa de sandices dos padres. A compaixão é um pecado original. A compaixão pelos fracos é traição à natureza".

Fisicamente amofinado, com tremores incessantes nas mãos, com ideias de grandeza que beiravam à ficção, o quadro mental do ditador era deprimente nos últimas semanas antes do suicídio. Mostra-se a lealdade dos seus asseclas. A veneração religiosa à sua pessoa. Ele era tido como um deus. No entendimento dos seus seguidores, nunca falhava. Era o líder que teria uma solução final que reverteria o destino da guerra a favor da Alemanha.

Instado a poupar o povo, ele diz de forma seca, dura, peremptória: "Se o meu próprio povo falhou neste teste, não derramarei uma lágrima por ele. Eles não merecem mais nada. É o destino deles. Eles são os únicos culpados".

Vendo essas pessoas, em pleno domingo, em tempos de pandemia, deixarem as suas casas para apoiarem alguém que já deixou transparecer quais são as suas intenções para o país, deixa-me inquieto com o tipo de psicologia que existe em torno desses movimentos extremos. Estou lendo "O carisma de Hitler", do Laurence Rees; e "Estudos sobre a personalidade autoritária", do Adorno, para tentar entender esse fenômeno psicológico que acomete parte do conjunto da sociedade na direção de certas tendências totalitárias.

Como disse alguém, "Bolsonaro é um Hitler com déficit cognitivo". Sim! Ele já deixou isso muito claro nos 30 anos de vida pública. Quem ainda tinha dúvidas sobre esse fato e tenha usado o bom senso e a razão, as portas da percepção foram abertas com a revelação daquele vídeo grotesco, um simulacro de todo mundo em pânico com uma deprimente pornochanchada lado B.

Dizer que 'seu objetivo era armar o povo', cria conexões com a fala de um tirano, de alguém que deseja fazer um "teste", um experimento social a favor da morte, da guerra civil; de insurgência contra a ordem social. Seu objetivo é criar milícias para se fortalecer. Em sua cabeça, devem existir as mais macabras intenções sobre os seus opositores. Seu mundinho de mediocridade, obscurantismo e necessidade de bajulação não tolera a existência de forças antagônicas. O extremismo é a sua linguagem; o desejo de morte, a sua psicologia.

No final dos anos 90, ele disse que o país só teria jeito quando uns 30 mil fossem mortos; e, caso fosse eleito, daria "um golpe" no outro dia. Mais de 20 mil já morreram em decorrência da COVID-19, mas ele já deixou claro que essa não é a sua guerra. Seu desejo é outro.  Ao afirmar que tem objetivo armar a população para criar hostes, milícias, à semelhança da SS do partido nazista, nota-se que seu plano ainda permanece vivo.

O governo Bolsonaro é um teste para o país: (1) ou sairemos fortalecidos e aprenderemos como sociedade com esses eventos; (2) ou chegaremos ao fundo do poço da indigência e do caos. Pelo que tem acontecido até agora, com as instituições cooperando para o acontecimento da segunda opção, a primeira opção é apenas um devaneio distante, que tremula como uma miragem no deserto do real. 
 
 

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