Em 2020 – mais
precisamente, no dia 10 de dezembro -, o universo comemorou o nascimento de uma
das mais geniais e enigmáticas romancistas. Daqueles seres que não somente a
obra, mas a própria vida é um evento literário. Refiro-me à Clarice Lispector.
Um astro enigmático que, com a sua face escura, esconde segredos e mistérios
sempre por serem desvelados. Talvez, aí resida verdadeiramente os seus
mistérios. Poderíamos inventar a expressão, quando percebêssemos um nível
razoável de mistério ou de propensão a segredos escondidos: “Ele ou ela possui
os mistérios de Clarice”. A escritora que nos remete ao "claro", mas que escondia em sua personalidade segredos eclipsados.
Meu contato com Clarice se deu ainda na minha adolescência. Quando em idade escolar, estabeleci contato com “A hora da estrela”, um livro relativamente curto, mas de leitura lancinante. Impressiona o que a narradora faz com a sua personagem. Esses dias, assistindo a um documentário sobre a escritora, escutei da diretora – Suzana Amaral (falecida o ano passado) - que adaptou a obra para o cinema, que a personagem do livro – Macábea – um símbolo do que é o Brasil. Achei a relação imensamente feliz. Nunca havia parado para pensar sobre a personagem a partir desta perspectiva. Macábea do alto de seu alheamento, de seu simplismo selvagem, de seu contentamento ingênuo, é o averso do Macunaíma de Mário de Andrade.
Mais tarde, li “A paixão segundo
G.H.”, obra que ficou comigo por vários meses. Ler Clarice é mergulhar em um
oceano largo e denso, de profundidade recôndita, que nos abraça, que nos
embriaga, que nos toma e que acaba gerando transbordamentos reflexivos. Clarice
é uma promotora de epifanias verbais. Não saímos ilesos de seu texto
apaixonado. G.H. é a metáfora transfigurada de todo aquele que vive, mas não
sabe que existe. Cada frase escrita por Clarice está repleta de larguezas, de
abismos espelhados, onde nos vemos. E se demoramos demais a contemplar, somos
tragados pela sua força irresistível.
Foi pensando nesse fato – os cem
anos do seu nascimento – que decidi ler, ao longo do ano de 2021, pelo menos
seis das suas obras – “Perto do coração selvagem” (já lido; farei alguns
comentários sobre a obra em outro momento), “O lustre”, “Laços de Família”, “A
maçã no escuro”, “Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” e “A descoberta do
mundo”. São livros para os quais sempre tive curiosidade.
Em paralelo à leitura das obras,
estou lendo a excelente biografia escrita por Benjamin Moser. O biógrafo é
estadunidense. Chegou ao texto clariceano por acaso. Mas, como não poderia
deixar de ser, acabou sendo tragado pelo magnetismo do texto da dama da
literatura brasileira. Em outro momento, procurarei “rascunhar” algumas
palavras sobre o seu texto.
Sigamos.
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