sexta-feira, abril 30, 2021

O Concerto para piano em sol maior, de Ravel


Existem compositores que são cerebrais. É o caso, por exemplo, da música de Prokofiev; ou de Schoenberg. Escutou-os sabendo o que vou encontrar. É como se eles dissessem: “Nós não estamos aqui para que você sinta; tudo aqui é seguro e milimetricamente contado”. Todavia, há outros compositores que tocam as cordas das emoções. Visito-os e, de imediato, já sou colocado numa planície com horizontes misteriosos.

Sou acometido por essas ideias após escutar o Concerto para piano em sol, do compositor francês Maurice Ravel. Ravel é um dos compositores de que mais gosto. Nascido em 1875 e morto em 1937, Ravel é um dos compositores mais singulares e importantes da primeira metade do século XX, ao lado de Debussy, de quem herdou o lugar no rol de relevância da música francesa. Vale mencionar ainda a morte de Gabriel Fauré em 1924. Debussy morrera em 1918.

Olhando do ponto de vista da produção, nota-se que Ravel não possui uma obra numerosa. Era muito frequente, demorar de um a dois anos para terminar uma obra. Sua produção vai até o ano de 1933, quando passou a enfrentar graves problemas de saúde decorrentes de um acidente automobilístico.

O compositor escreveu dois concertos para piano. O primeiro deles é o Concerto para mão esquerda, escrito nos anos de 1929 e 1930. E, logo em seguida, encontramos o Concerto para piano em Sol, cuja escrita começou em 1929, mas que foi concluída mesmo em 1932. Ou seja, é uma das suas últimas obras. Trata-se de uma das mais bonitas obras para piano já escritas. Aliás, o Concerto para mão esquerda também pode ser colocado nessa categoria. De maneira mais extensiva, podemos afirmar que tudo o que Ravel escreveu possui um lugar especial na história da criação artística.

Em 1928, Ravel excursionou pelos Estados Unidos. Ficou impressionado com então efervescente movimento jazzístico que eclodia com muita força naquele país. Essa influência pode ser encontrada no Concerto em Sol. Outra referência é à música espanhola. 

 

O Concerto para piano em Sol possui três momentos. O primeiro movimento possui aquela orquestração perfeitamente construída, misturado aos elementos do jazz e da escola espanhola. O terceiro movimento retoma o tema trabalhado no primeiro movimento, tirando-nos  do sonho existente no segundo movimento. No terceiro movimento notamos a energia sem freios, estimulada pelos gritos resfolegantes do clarinete e do flautim. O trombone solta urros fanhos e é contrastado pelos floreios de uma pequena fanfarra.

Todavia, o que me chama a atenção nesse concerto é o segundo movimento. É um tipo de música para morrer e viver. É uma das músicas mais belas já produzidas no seio grávido de possibilidades do universo. Nele encontramos a alegria da vida, mas, também, vislumbramos as dores da morte. O compositor afirmou certa vez que, para escrever o segundo movimento, inspirou-se no Larghetto (segundo movimento) do Quinteto para clarinete, de Mozart. Escutei há pouco o aludido movimento e pude concordar com Ravel. Há beleza excesso nesse fragmento da música do compositor austríaco.

O inquestionável cenário de sonho do segundo movimento da obra de Ravel, revelam uma poética delicada. Somos conduzidos pela mão; impelidos ternamente por momentos doces. Tudo parece suspenso. Sentimo-nos nobres, exultantes e a vida e a realidade deixa de lado sua face incognoscível.  Os elementos complexos e nós herméticos que custamos a administrar se tornam rarefeitos. É uma visão do paraíso; das inomináveis visões de um sonho cristalino e iluminado. Quanta beleza colocada em nove minutos de música. Aliás, a existência inteira colocada no idílio sensível do piano.  

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