Bandeira de Ruanda. Vista da capital Kigali.
Ruanda é um minúsculo país do centro-leste do continente africano. Para
as proporções da África, trata-se de um país pequeno. Possui o tamanho
equivalente ao estado de Alagoas. O país possui um relevo montanhoso, repleto
por vales e colinas. É um país bonito. Situa-se na região dos grandes lagos
africanos. Do lado oeste, o país é banhado pelo lago Kivu, um dos maiores da
África. Durante o período do genocídio de 1994, muitas vítimas foram atiradas
em suas águas doces. O Kivu tem parte de suas águas no território do Congo e a
outra parte em território ruandês.
Do ponto de vista da história, Ruanda era formado por vários reinos. No
final do século XIX, passou a ser um território pertencente à Alemanha. Os
alemães impuseram uma colonização ao território, após a Conferência de Berlim
(1885). O território passou a ter vínculos com a Alemanha a partir de 1890. Ao
final da 1ª Guerra Mundial, a Alemanha sofreu uma fragorosa derrota. Ruanda foi
entregue aos belgas. Enquanto era propriedade alemã, o país foi explorado de
todas as formas. Todavia, com a transferência para os belgas, os trabalhos
forçados, a marginalização e a manipulação política levou à criação de um
abismo social que determinaria o futuro do país. Os belgas traziam consigo um modelo
de dominação absurdamente violenta e predatória. Vale mencionar a forma como
dominaram cruelmente o Congo. Leopoldo II, um dos mais infames monarcas
europeus de todos os tempos, construiu uma relação de máximo horror com os
países dominados.
É importante salientar, que apesar de Leopoldo II ter morrido em 1909, a relação de exploração, vilania e depredação social continuou com a exploração belga. A liderança política de Leopoldo II produziu extermínios, torturas, violência e genocídio. A história do Congo explica muito bem isso. O país vizinho a Ruanda passou a ser uma propriedade, um feudo do monarca. O nome dado por Leopoldo II ao país era uma grande ironia – “Estado Livre do Congo”. Havia uma capa de aparência de suave tranquilidade vendida para o mundo, mas o que os colonizados experimentavam no dia a dia era inumano. Ele criou uma empresa para explorar o país e semeou a violência como elemento de difusão de sua política – assassinatos, mutilações, trabalhos forçados; crueldades variadas. Estima-se que o número de mortes oscile entre 1 e 15 milhões de pessoas, o que coloca a política de Leopoldo II como uma das mais criminosas da história. Segundo alguns historiadores, a população do Congo era de 20 milhões de pessoas à época da chegada dos belgas. Estima-se que a metade morreu enquanto o país foi chamado de “Estado Livre do Congo”[1].
Recentemente eu li “O coração das trevas”, do Joseph Conrad, que tem como
pano de fundo o imperialismo europeu, a exploração e a morte contra o
continente africano. O livro retrata o caos, a loucura, a máquina ensandecida
de pilhagem que foi implantada com a presença europeia no continente. A
narrativa de Conrad lança luz sobre a violência colonial belga contra o Congo.
Como diria Conrad em sua febricitante narrativa: “O horror! ” O máximo “horror!
” é o que os belgas realizaram no Congo.
A relação que os belgas estabeleceram com os ruandeses imprimiu o domínio
e as mudanças nas relações sociais do país. Os europeus não estavam preocupados
com os grupos populacionais do continente. Não levaram em conta particularidades
históricas. É importante salientar que Ruanda é constituída basicamente por
dois povos – os tutsis e os hutus. Do ponto de vista físico, os tutsis eram numericamente
inferiores. Ocupavam as posições de liderança na formação social e política do
país. O país é essencialmente agrário. O contingente populacional trabalhava no
campo. Tinham uma relação de intimidade com a terra e com os instrumentos que a
manipulavam.
Do ponto de vista físico, os tutsis distinguiam-se dos hutus; estes
últimos eram a maioria do país (85% hutus; 12% de tutsis). Eram mais altos do
que os hutus. O cabelo era distinto. O nariz possuía traços também de
distinção. Com a chegada dos europeus, teorias higienistas foram disseminadas
no país. Houve uma propagação da ideia de que os tutsis estariam mais próximos
dos europeus, criando, assim, um traço de nobreza. Teorias lombrosianas[2]
foram empregadas.
Scholastique Mukasonga |
Dessa forma, os hutus foram relegados do ponto de vista identitário como
uma “raça menos nobre” pelo distanciamento dos traços com os europeus. Cria-se
um ódio a essa relação dos tutsis com os europeus. Ódios entram em ebulição.
Fervem. Cria-se uma divisão do nosso grupo contra o grupo deles. No final dos
anos 50, após vários lances políticos, que incluiu o assassinato de um monarca
de um clã dos tutsis, os hutus se tornaram efetivamente majoritários
politicamente. Assumiram a liderança do país. Após um referendo organizado
pelas Nações Unidas, Ruanda torna-se uma república. Em 1º de julho de 1962, o
país torna-se independente sob a liderança dos hutus. Grégoire Kaiybanda, o
primeiro ministro do período de transição, torna-se o chefe do país. Inicia-se
um período de perseguição e opressão contra os tutsis.
Esse texto é a parte introdutória para alguns comentários que farei após a leitura de “Baratas”, de Scholastique Mukasonga. Ela narra as memórias dolorosas da perseguição do início dos anos 60 até o genocídio de 1994.
[1] O
livro “O fantasma do Rei Leopoldo”, de Adam Hochschild, é um dos mais
importantes documentos sobre a política cruel imposta pelos belgas na pessoa de
Leopoldo II. Começarei a leitura por esses dias.
[2]
Cesare Lombroso foi um médico, psiquiatra e criminalista. Suas pesquisas
resultaram no livro “Homem Deliquente”, um marco para a teoria criminal do
século XX e início do século XX. Lombroso a partir de suas pesquisas
estabeleceu que as questões que envolviam os delitos estavam ligadas aos traços
biológicos dos indivíduos. Sendo assim, para ele o crime era algo que dizia
respeito a certos sujeitos que já nasciam delinquentes. Essa análise
lombrosiana era vista como rigorosa ciência.
Mais informações: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/625021486/cesare-lombroso-e-a-teoria-do-criminoso-nato
Nenhum comentário:
Postar um comentário