sábado, abril 07, 2012

Alguns filmes e Persona, de Ingmar Bergman

Meu feriado está sendo regado a um pouco de trabalho, música e filmes. Já vi alguns filmes muito bons e isso me dá uma sensação de refrigério e alívio. Penso apenas que poderia ter lido mais. Já tive a oportunidade, por exemplo, de ver Má educação (2004), do espanhol metido a polemista, Pedro Almodóvar; vi também Pecados Íntimos (2006), de Todd Field, um filme que me surpreendeu pela singeleza e pela qualidade; Star Wars - episódio 4: Uma nova esperança (1977), o épico filme de ficção científica que inicia a série, do papa dos efeitos George Lucas. Mas nada me chamou tanto a atenção quanto Persona (1966), de Ingmar Bergman. Isso filme que foge a qualquer classificação.

Confesso que após ter assistido ao filme hoje à tarde, ainda me encontro me refazendo da experiência. Trata-se de um filme curto - possui pouco mais de oitenta minutos. Mas, mesmo sendo curto, é uma filme que diz - diz muito. Bergman é um mistério. A começar pela fotografia, que é um deslumbramento, a obra precisa ser vista mais de uma vez para que nos apercebamos de detalhes. Tudo é feito em preto e branco - de uma beleza impecável - como em O Sétimo Selo (1957) ou Morangos Silvestres (1957).

A densidade e a  dramaticidade da obra nos lança num caleidoscópio de sensações espantosas. Tudo converge para tomadas quase inexplicadas. Um garoto de aspecto sofredor deitado numa cama num ambiente asséptico, tentado alcançar, tatear a imagem intangível numa tela. A cara plástica que muda de aspecto. A densidade de uma conversa, como a que acontece entre Alma (Bibi Andersson) e Elisabeth (Liv Ullmann), quando aquela conta a esta uma esperiência amorosa inexplicada numa praia deserta com um garoto. O aborto que segue e o sentimento impiedoso de culpa. O mutismo voluntário de Elisabeth. Seu silêncio nos atinge. Em dados momentos em que Alma tenta arrancar uma palavra de Elisabeth, indignamo-nos com a personagem de Liv Ullmann. Por que não falar?

E, afinal, o que querem significar aquelas cenas bizarras de entranhas sendo rasgadas ou uma mão sendo atravessada por um cravo enorme? Ou a equipe de filmagem aparecendo do nada no final do filme? O ainda o filme sendo queimado? Talvez, uma amostra surrealista da capacidade de dizer o inaudito com cenas deslocadas e, aparentemente, sem nexo. Fez-me lembrar de O espelho de Tarkovski. Assistir a um filme como esse é mergulhar numa viagem existencial e psicológica. O filme parece possuir uma força diabólica engolfante, que sufoca. Bergman nunca é claro num primeiro lance. A melhor palavra a qualificá-lo é "enigmático". Seu ofício: dizer muito, absurdamente, com poucas palavras e com diálogos densos. 

Em dado momento, as duas personagens acabam se fundido. O silêncio de uma e a loquacidade da outra parece se tornar um fenômeno complementar. Enquanto uma fala e a outra decide pelo silêncio, acabamos descobrindo mais fatos sobre aquela que nada diz. O que ela diz está nos gestos, no sorriso magistralmente esboçado. Uma questão fundamental levantada pelo filme é até que ponto podemos descobrir o nosso "eu", fechado pela cortina das aparências, que é viver em sociedade. Nossas personas serão os papéis que representamos? Como diálogo (descrito abaixo) entre Elisabeth e a terapeuta:

- Pensa que não entendo?  O inútil sonho de ser. Não parecer, mas ser. Estar alerta em todos os momentos. A luta: o que você é com os outros e o que você realmente é. Um sentimento de vertigem e a constante fome de finalmente ser exposta. Ser vista por dentro, cortada, até mesmo eliminada. Cada tom de voz, uma mentira. Cada gesto, falso. Cada sorriso, uma careta. Cometer suicídio? Nem pensar. Você não faz coisas desse gênero. Mas pode se recusar a se mover e ficar em silêncio. Então, pelo menos, não está mentindo. Você pode se fechar, se fechar para o mundo. Então não tem que interpretar papéis, fazer caras, gestos falsos… Acreditaria que sim, mas a realidade é diabólica (…).

Persona é uma obra aberta no sentido mais claro definido por Umberto Eco e por mais que se diga algo, ainda haverá muito por se dizer. Ou seja, por mais que se diga algo, aquilo que se diz será sempre aleatório. Somente assistindo ao filme para se entender essa experiência estupefaciente.

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