quarta-feira, abril 04, 2012

Koyaanisqatsi, a música de Glass e a tinta

Hoje, quarta-feira pela manhã, estou em casa, nesse prenúncio de feriado. Organizando algumas tarefas, resolvi ouvir a trilha sonora do filme Koyaanisqatsi, composta pelo americano Philip Glass. Um pintor está aqui no apartamento em que moro, aplicando algumas demãos nas portas e nas paredes. O cheiro forte da tinta provoca irritação. Escuto a música de Glass e sinto um leve torpor. Ainda estou lúcido (risos). O cheiro é nauseante. 

Apesar de ter minhas reservas com relação a Glass (acho que boa parte das composições do americano são discutíveis), penso que Koyaanisqatsi, junto com Powaqqatsi, sejam um dos os melhores momentos do compositor. Glass é considerado um dos "papas do minimalismo". Sua linguagem possui uma redundância açambarcante. Na trilha sonora do filme "As horas", por exemplo, parece que a música foi executada com uma só nota. Isso é curioso. Não que se trate de algo ruim. Às vezes, eu escuto a trilha sonora para o filme sobre a vida de Virgínia Woolf e acho-a misteriosa. É como se estivéssemos ouvindo o rumorejar da viagem de um rio. A música possui curvas sinuosas, mas é como se voltássemos ao mesmo ambiente, à mesma paisagem em toda viagem.

Na trilha sonora para Koyaanisqatsi, Glass parece ter por missão provocar um deslumbramento. A sensação é de transcendência. A mensagem é bela, porém dura e niilista. Aquele coro à la canto gregoriano promove uma experiência para o nefasto transfigurado. Nesse sentido, julgo essa composição extremamente feliz. Glass nos conduz por uma via espiritualmente orientalizante. O som do órgão é o motor da viagem espiritual. A voz "cavernosa" repete a palavra estática 'koyaanisqatsi', como se ela fosse cauterizar uma chaga aberta ou incutir um código-aviso sobre o caos - koyaanisqatsi, significa "um estágio que precisa de mudança". 

A música é bela. Ouvi-la é ser, necessariamente, arrebatado para um mundo de reflexão. Ela nos faz pensar em nossas dores. Nas experiências megalomaníacas da humanidade. Nos sonhos frustrados. No projeto mundial chamado de "civilização humana", resultante no trágico e na bárbarie. As cenas finais do filme Koyaanisqatsi, enquanto passa última música (Prophecies) é de deixar qualquer um de boca aberta. A massa sonora com os sons mínimos, produzida por párticulas musicais que se repetem, uma voz medonha que repisa  a mesma palavra e o órgão pesado, "roncando", como um monstro construído para amedrontar e emgrolar "enjoativamente" a mesma voz, é algo incrível. O cheiro da tinta continua forte, mas a música de Glass é múrmurio mínimo, capaz de produzir explosões caóticas em meu cérebro, pelo poder espiritual que carrega. 

A cena final (no vídeo abaixo) é atordoante. Um foguete enorme sobe ao céu, como se nele estivesse a nossa pretensão babelíca. Como se tivéssemos chegado ao alto, ao nosso clímax civilizacional.  A explosão do objeto fálico (símbolo da força) é uma metáfora da nossa própria bancarrota. Talvez aí resida o conteúdo niilista do música de Glass e do filme de Godfrey Reggio.

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