terça-feira, outubro 23, 2012

"O macaco nu" e a crise de não-ser ante a natureza

Quando o que está em jogo é o ser humano, torno-me bastante pessimista. Carl Sagan costumava dizer que "somos uma espécie nova e curiosa e talvez haja salvação para cada um de nós". Não faço uso do otimismo de Sagan. A sua elegância o impelia a verbalizações nobres. Admiro essa sua capacidade. Mas, volto-me para uma outra direção. A direção que nos aponta um caminho incerto, infausto. Talvez haja em mim um pouco de Schopenhauer.

Somos uma espécie que pratica a rapina. Nossa história sobre o Planeta Terra é relativamente recente. Certa vez vi Carl Sagan fazer uma comparação que me impressionou. O célebre cientista americano disse que se pudessêmos colocar a história da Terra e do Universo dentro de um campo de futebol, desde o Big Bang, a história humana não seria mais do que um palmo dentro desse campo hipotético. Ou seja, a nossa história é recente, mas deixamos marcas profundas na história do Planeta. Talvez nenhuma espécie tenha mudado tanto o Planeta como nós o fizemos - nem mesmo os poderosos dinossauros.

Essa reflexão amarga se aprofundou ainda mais após a leitura que fiz do livro "O macaco nu", do zoólogo inglês Desmond Morris. Esse livro foi escrito na década de 60 do século passado. É profundo e arraigadamente científico em suas sentenças. Morris faz uma análise contundente sobre os hábitos dos seres humanos - sua origem, a questão da sexualidade, do crescimento, o poder de exploração tão próprio do ser humano, o alto grau de agressividade, a importância da alimentação e busca pelo conforto. O zoólogo não deixa passar nenhum dos hábitos daquele que ele cognominou de maneira irreverente como "macaco pelado". Tal classificação se deve ao fato de que, entre as 193 espécies de símios e macacos (da família dos primatas), a espécie humana é a única que não apresenta o corpo coberto por pelos. Mas tal fato não deve ser visto apenas como obra do acaso. Morris vai dizer que existe uma alta função para essa condição.

É no final da obra, que Morris profere uma frase belissimamente perturbadora: "...apesar de todos os nossos progressos tecnólogicos, continuamos a ser sobretudo um simples fenômeno biológico". Com isso ele está dizendo que não nos diferimos dos outros seres no que tange às necessidades vitais. Somos animais moldados pela evolução. Se no passado a atividade de caça nos ocupava a maior parte do tempo, hoje, é o trabalho, principal motor de troca da sociedade criada por esse mesmo ser gregário, que toma o nosso tempo. De modo que o nosso estilo de vida parece ter "sacralizado" o existir desse mesmo criador. Parece que perenizamos a realidade. Vivemos como se fossêmos eternos. Todavia, existe o esquecimento de que a natureza é lenta e as suas mudanças se perpetram de modo processual.

E baseado nisso, achamos outra afirmação desconcertante do cientista inglês: "Houve muitas espécies formidàveis que se extinguiram no passado, e nós não somos a exceção. Mais cedo ou mais tarde, teremos de partir e deixar lugar para qualquer outra coisa". E aqui, corroborando com Morris, penso que isso seja um fato mais que incontestável. Quanto tempo mais teremos? Mil anos? Dez mil anos? Um milhão de anos? Não se sabe! O fato é que somos uma espécie engenhosa. E essa capacidade de engenho não nos livrará da inexorabilidade do tempo. Chegará um tempo em que não mais seremos. E nem mesmo as nossas religiões nos "salvarão".

Somos um "fenômeno biológico", mas, somos, também, um fenômeno cultural. Tudo aquilo que construímos e fazemos está associado à necessidade de realizarmos aos instintos animais. Temos um forte impulso a buscar a sobrevivência e tirarmos vantagens de todas as coisas. Fomos moldados assim pela evolução. Nossos instintos sexuais, territoriais e agressivos não serão dominados e flexibilizados, pois somos, acima de tudo, seres biológicos que buscam a perpetuação. Até mesmo quando temos um filho, buscamos, nele, continuar a existir. Ora, para finalizar, o que são as religiões, senão uma necessidade de continuar a existir mesmo quando o nosso mais terrível  inimigo chegar - a morte - e militar contra a nossa sede territorial de continuar a ser?


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