quarta-feira, outubro 31, 2012

31 de Outubro, Dia da Reforma - uma reflexão

Hoje a cristande protestante (principalmente os protestantes históricos) comemora(m) o Dia da Reforma. Segundo certo entendimento, foi nesse dia que Lutero pubilicou as suas 95 teses e teve início o movimento que culminaria na cisão com a Igreja Católica. No dia de hoje, pude perceber algumas manifestações a favor dessa data. E de fato, a Reforma se constituiu em um movimento complexo às quais algumas forças e influências estiveram associados. Todavia, percebo que a principal interpretação para o nascimento e a afirmação da Reforma aconteça por parte desses citados fiéis, unicamente, pelo viés moral e teológico. 

Quem assim o faz, desconsidera os tensionamentos das eras; desconsidera que não existe romantismos no fluir dos fatos históricos. História é luta. É a força do mais forte que se sobrepõe à fraqueza daqueles que não podem prevalecer. É um jogo de oportunismos. Olhando por esse ponto de vista, não podemos deixar de louvar uma afirmação de Marx: "o mundo religioso é apenas o reflexo do mundo real". Com isso, Marx está dizendo que a religião não é um evento à parte, desligado do mundo. As forças de interesse econômico também estão dentro dos movimentos religiosos. 

Ou como diz Corr. Barbagallo, historiador italiano, citado por Jean Delumeau, em seu extraordinário livro Nascimento e Afirmação da Reforma:

"Considera-se geralmente a Reforma como um processo de conversão religiosa de uma parte da Europa... Eu não consegui compreender como pode se pensar que multidões de pessoas, num ou noutro país, foram capazes de se interessar pela subtilezas teológicas de um Lutero, de um Zwinglio, de um Melanchton o ude um Ecolampado, que mal são entendidos pelos profissionais da teologia... Considerei a Reforma, não como um fenômeno substancialmente teológico, mas como expressão, aspecto, disfarce religioso da crise que cada país da Europa atravessa na segunda metade do século XVI, e como sintoma do mal-estar universal". 

A Reforma significou, do ponto de vista crítico, o primeiro golpe aplicado pela burguesia, já que a Igreja Católica defendia um modus operandis feudal. Não era interessante para a burguesia florescente ter uma sistema que coibia a livre iniciativa e o lucro. Assim, a burguesia viu na Reforma uma possobilidade de fortalecer as suas pretensões e tirar da mãos da Igreja de Roma o poder que lhe era peculiar por mais de, naquele momento, mil anos. 

Achar que a Reforma foi fruto do ato simbólico de Lutero afixar as teses na Catedral de Wintenberg é um ato simplista. A Reforma é o resultado de um jogo econômico. Afinal, outras tantas tentativas aconteceram durante a Idade Média, mas nem uma se consumou por não ter o grupo econômico florescente ao seu lado. Afinal, Huss tentou, os Wycliffe tentou, Savonarolla tentou e tantos outros iniciaram movimentos reformistas e acabaram sendo silenciados pelo rolo compressor do poder temporal da Igreja Romana. E questionamos: por que Lutero supostamente conseguiu? Ora, porque ele possuía a força dos príncipes (representantes dos interesses contrários à Igreja) alemães a seu favor. Mais uma vez: não há romantismos na História. A história segue um fluxo dialético. O tensionamento dos fatos leva à fecundação de uma outra realidade, mas sem excluir os elementos que deram origem aos tensionamentos.

O Protestantismo Reformado arroga para si 'o espírito da liberdade, da democracia, da modernidade e do progresso' em oposição à paralisia da Igreja Católica. Todavia, esses mesmos ideais são os ideais da burguesia. O golpe de misericórdia da burguesia viria com as Revoluções Liberais - principalmente, a Francesa. Mas, o embrião foi fecundado na Reforma.  Recorrentemente ouço um discurso contraditório por parte dos crentes protestantes. Afirmam eles que vivemos um período humanista, modernista ou até pós-moderno. Todavia, esse movimento foi fecundado no século XVI, pois os valores humanistas da modernidade tiveram início com a Reforma Protestante. De certa forma, a Reforma é um movimento estranho, pois naquilo que buscava fazer, que era trazer os crentes para uma nova consciência, acabou "dessacralizando o mundo". O individualismo, o secularismo e a ideia daquilo que é privativo teve início nesse momento da história. 

Penso que no dia 31 não deveria se comemorar o Dia da Reforma, mas sim da morte do espírito medieval e o nascimento daquilo que conhecemos como - ideal de liberdade, ciência, progresso, surgimento dos estados nacionais, individualismo, ou seja, um modo de ser. A Reforma é, em outras palavras, 'o início da incredulidade moderna e chave para se compreenderem todos os fenômenos monstruosos dos tempos modernos'.

 O que a Reforma inaugurou não foi uma nova religião, mas uma forma nova de se gerenciar e se relacionar com a história. Nesse sentido, a afirmação de Marx é mais que certeira.

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