domingo, março 24, 2013

O homem e o mistério de sua própria existência - uma pensata

O ser humano ainda é um mistério. Sua existência sobre a Terra é a matriz de pesquisa de muitos estudiosos. O homem ainda é o problema dos problemas da filosofia - seja ela materialista, positivista, existencialista ou idealista. O fulcro que impele a produção de conhecimento é justamente essa inquietação de saber quem se é - mesmo tendo tantos caminhos a percorrer. O homem é o absoluto da natureza, já que todas as linguagens são, necessariamente, humanas. Ele é sempre mais do que é, e sempre menos do que deve ser. 

Ou seja, é essa dupla possibilidade de ser que torna o homem a medida de todas as coisas. (1) porque o homem é a escrita que interpreta todos os eventos da natureza, sendo dono de uma consciência que o torna consciente. Nenhuma outra espécie vivente é capaz de saber que sabe; de angustiar-se ante o mistério da morte; de aceitar voluntariamente os processos do devir e transformar a matéria (fatum) em algo a seu favor. Mesmo estando diante de fatos que não pode controlar (o futuro), o homem vive no presente a materialização da expectativa do que será, visualizando os círculos consequentes de sua caminhada, como alguém que toca a superfície de um rio, o rio da existência. Tentamos controlar a fúria implacável do devir com o pensamento; (2) mesmo sendo esse ser que pode ser mais que é, ele é menos do que deve ser, pois diante da grandeza do cosmos, somos apenas um grão frágil da poeira das galáxias. Somos um acidente? Ou o resultado de uma mente criativa e voluntariosa? Revolvemo-nos diante dessas indagações. 

O homem é conjunto de muitas dimensões. A reunião de muitas necessidades. O ansiar de muitos desejos. A causação de muitos fenômenos. De muitas criações. Elaboramos sistemas. Explicamos o inexplicável. E isso apenas atesta a nossa capacidade. Trabalhamos o tempo todo. E com essa ação, deixamos nossas "marcas" sobre a natureza. Inventamos aquilo a que chamam de civilização humana.

A maior de todas as nossas capacidades é a de acumular conhecimentos e construir abstrações. Somente ele tem capacidade de fomentar símbolos . A possibilidade da construção do virtual, ou seja, daquilo que existe como imagem em nossa mente. Talvez, esse seja um dos maiores mistérios que se possa conceber. Como sabemos que sabemos? Como sabemos que estamos conscientes? Como nos distinguimos do mundo e separamos aquilo que somos daquilo que existe como uma realidade externa a nós mesmos? A capacidade de saber que sei, testemunha a mim mesmo sobre a minha existência e aos outros de saber que não sou um "tu", mas sou um "eu".

Essa dimensão imaterial, intangível, faz-nos criar o incriado. Ajuda-nos a consolidar a nossa trajetória sobre a terra - e quem sabe na eternidade. Acredito, acima de tudo, que a criação da metafísica, das realidades espirituais, seja, antes de tudo, uma tentativa de controlar o invisível de determinados silêncios - o maior deles é o silêncio d'além mundo. Sabemos que existe uma inexorabilidade da morte. Diante dela toda súplica é vã, todo pedido, toda oração é infausta. Ela é uma jogadora escrupulosa, como retratatou mágica e genialmente Ingmar Bergman em O Sétimo Selo. Talvez, por causa da iminência de tão atroz destino, fomentamos o fenômeno religioso. O homem apesar de viver em um mundo onde o príncipio inevitável da falibilidade de todos os seres, é o único ser a não aceitar o seu destino. Isso apenas atesta o quão fantástico o homem é. Existe uma individualidade, um acertar de contas a qual todos os viventes estão destinados. Ninguém pode substituir o sujeito individual. Não há privilégios. Seja qual for sociedade, seja qual for o sistema de governo, seja em qual for o modo de produção, todos os homens se defrontarão com essa força implacável.

Eternidade é um conceito com muitas nuanças. Inventamos a eternidade, porque desejamos ser eternos. Mesmo sendo sabedores desse lado contingente (que é a realidade, o mundo material), buscamos perpetuar além do físico a nossa existência. E é daí que surgem os vários sistemas religiosos. As religiões são as muitas linguagens da esperança. É a hipostasiação dos nossos desejos. O sujeito religioso ao ouvir a promessa da vida eterna, apazigua esse grito caótico e desagragador existente no coração. Pois a morte é desagregação absoluto do ser. Nela a consciência deixa de ser a dimensão loquaz, para se tornar o silêncio na escuridão do caminhar do tempo. A morte é aniquilação do ser. O silêncio forçado e compulsório infligido à individualidade.

Diante dessa realidade tão incomensurável do fenômeno humano, fica certeza de que o homem é um ser com muitas vozes. Ele é um construtor insistente de matéria simbólica - cria a arte, cria a cultura, cria os sentidos da vida social, cria a religião como uma das dimensões da cultura; cria muitos conceitos (amor, liberdade, solidariedade); cria a técnica e sistematiza a técnica como uma fonte de intervenção sobre a natureza; o homem, em suma, é um animal criador e espetacularizador daquilo que cria. Diante desse fato, perguntamo-nos: ó homem, quem te criou? Até hoje experimentas a inquietação de não saberes quem és, de onde vieste e para aonde vais.

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