domingo, março 03, 2013

O poder e o carisma da Igreja

Na última semana, enquanto assistia ao noticiário que tratava da renúncia do papa e a nova movimentação dos cardeais da Igreja para a escolha de um novo pontífice, fiquei "especulando" sobre a imagem do Chefe da Igreja Católica: Josef Hatzing, o papa Bento XVI, sentado no trono que segundo a tradição representa o "o lugar-tenente de Pedro", cercado por mais de cem clérigos de todas as partes do mundo. Ao ver aquela cena mostrada pela Band News, não deixei de pensar no significado simbólico daquele gesto.

Por trás daquela cena estão séculos de uma instituição que possui quase dois mil anos de história. Uma instituição que existe em torno de uma dogma e que continua firme e forte a sua marcha. Não conheço outra organismo que tenha resistido durante tanto tempo. A Igreja possui bastante dinheiro - isso é inegável. O Banco do Vaticano é uma das entidades financeiras mais seguras e tradicionais do mundo. Mas não é isso que a torna forte. A Igreja possui um patrimônio invejável. No passado, chegou a ser dona de quase metade da Europa. Mas, também, não é isso que a torna uma instituição que esbanja viço.

Penso que a sua força esteja assentado em um poder invisível. O fato é que a Igreja consegue, diferentemente do protestantismo, por exemplo, preservar a sua unidade no meio da diversidade. Ela preserva o dogma, sua dimensão simbólica. E é uma instituição que vive de pregar uma promessa invisível. Sua maior riqueza está estruturada sobre um código não tangível, mas que é visualizado em elementos  materiais. Partindo desse paradoxo, ela diz ter as chaves do céu. O papa está assentado sobre o trono de Pedro. A hóstia é o próprio corpo de Cristo. O vinho da eucaristia é o sangue do Filho de Deus. Ou seja, a Igreja consegue criar símbolos para uma ausência e justifica a sua existência. 

Folheando o livro  Igreja - carisma e poder, de Leonardo de Boff,  livro que lhe rendeu excomunhão da Igreja - diz que a Igreja é resultado de dois momentos históricos: (1) deriva da comunidade dos primeiros cristãos, baseado no carisma, na fé e na caridade e que vai até 312 d.C; (2) que deriva da era do imperador romano Constatino (que se autoproclamou papa no Concílio de Nicéia, 325 d.C), que foi responsável pela burocratização da Igreja. Boff vai dizer que a partir daí:

A Igreja transformou-se num grande feudo dos imperadores, que dispunham dos cargos eclesiásticos e os tratavam à maneira secular. (...) O poder sagrado Igreja-instituição lançou mão de todas as artimanhas, até a falsificação de decretais e da falsificação do Testatmentum Constatini, para justificar as suas pretensões, o que confirma a tese de que o poder, seja qual for o signo sob o qual é exercido, seja cristão ou pagão, sagrado ou secular, segue imperturbavelmente a mesma lógica interna de querer mais poder, de ser um dinossauro insaciável e de submeter tudo e todos aos próprios ditames do poder. (BOFF, 1981, p. 81)

Boff afirma que essa instituição complexa, esse reino de poder, faz dos dogmas verdadeiras cartas jurídicas para balizar a conservação do poder. Assim, a Igreja do alto de sua complexidade é um organismo habitado por nuanças variadas - ela possui esse peso de ser mãe que acolhe - a caridade. Mas é também um império de burocratas, de politicagens. 

Não se sabe ainda quais foram as causas que levaram Bento XVI a renunciar. Saúde frágil? Escândalos sexuais por parte dos cardeais e dos padres? Não são tais "escândalos" que abalarão essa grande nave, que viaja no tempo, chamada Igreja Católica. Em outros momentos históricos ela já amargou crises muito mais intensas - cismas, rachas, escândalos com papas, alianças estranhas, mas isso não fez com que ela naufragasse. Ela ainda permanecerá por bastante tempo. Nos momentos difíceis de vanguardas dos últimos dois mil anos - tanto na fundação das universidades, ainda na Idade Média; e no crítico silêncio praticado pelo papa Pio XII, filmado por Costas Gravas no filme Amém, sobre o não posicionamento da Igreja quando do extermínio dos judeus pelos nazistas, a a Santa Sé esteve presente 

Pensei em tudo isso quando vi a figura frágil do papa sentado sobre um trono carregado por reverberações simbólicas; vestindo uma indumentária carregada de significado diante de centenas de cardeias. Mais que um encontro de despedida do papa, aquilo dizia muito sobre a história dos últimos dois mil anos aqui no Ocidente. Ali havia poder e um halo invisível de carisma. 

BOFF, Leornardo. Igreja - carisma e poder. Editorial Inquérito. Lisboa - Portugal. 1981. 230p. 

Nenhum comentário: