quinta-feira, julho 11, 2013

Incidente em Antares, algumas impressões

"Eu quisera acreditar em Deus e na vida eterna. Mas não posso. Nunca pude. Mas acredito na vida. E como! Tenho esperança num futuro melhor para nossa terra, para o mundo. Quero que meu filho nasça, cresça e viva para participar desse mundo"  
Érico Veríssimo, in Incidente em Antares

Incidente em Antares foi o último romance escrito pelo gaúcho Érico Veríssimo. Dos cinco ou seis romances que li de Érico, com certeza, Incidente em Antares é aquele que provocou um efeito maior pelo nível de maturidade, profundidade e elegância. O livro está dentro daquele ciclo de romances com foco universal, que ainda podem ser colocados O prisioneiro, O senhor embaixador, construindo um paralelo ao lado de dois outros grupos - os romances urbanos (Clarissa, Olhai os lírios do campo, Caminhos cruzados etc) e os romances épicos (na qual se encaixa a monumental trilogia O tempo e o vento, que remonta boa parte da história do Rio Grande do Sul).

Érico Veríssimo sabia contar uma história como ninguém. Possuía uma simplicidade para construir um enredo como somente os grandes escritores possuem. Era um sujeito baixo, de fala mansa e de grande sensibilidade. Foi com essa característica que o gaúcho de Cruz Alta, construiu uma das mais importantes obras da história da literatura brasileira. 

Em Incidente em Antares, Veríssimo constrói um romance em que o Realismo Fantástico dita a tônica da história. E é, sob vários aspectos, uma história a qual percebermos uma forte crítica às oligarquias, ao conservadorismo burguês e (por quê não?) uma "cutucada" no Governo Militar - já que o livro é de 1971. 

A obra é dividida em duas partes:

Érico Veríssimo
Na primeira parte, Érico preocupa-se em remontar o cenário histórico de onde surge Antares; a luta hercúlea entre o clã dos Vacarianos e dos Campolargos, que se digladiarão com golpes, ódio mortal e atrocidades inimagináveis em mais de setenta anos. Aos poucos Érico nos insere no século XX e mostra  quanto Antares passa a fazer parte do cenário político brasileiro. O escritor, como isso, coloca o leitor a par do que acontece a partir do Governo Vargas. As vicissitudes e as habilidades políticas do gaúcho de São Borja. Figuras reais são colocadas na história - João Goulart, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda. A a partir da descrição dessas personagens históricas reais, o enredo assume um forte tom político, o que faz com que a história ganhe em realismo e verdade. Os acontecimentos políticos, do suicídio de Getúlio à renúncia de Jânio Quadros e o drama que envolveu a posse do seu vice João Goulart, tudo é acompanhado com máxima atenção pelos antarenses - principalmente pelos Campolargos e Vacarianos, senhores da cidade, que essa altura da história já fizeram as pazes.

Na segunda parte do livro, Veríssimo se preocupa em narrar o "incidente" aludido no título da história. A cidade de Antares, também invadida pelo forte clamor trabalhista e progressista que tomava conta do país, é vitimada por uma greve geral. Os coveiros também aderem à greve e a confusão se alastra. Com isso, sete pessoas morrem. O fato de serem sete pessoas, talvez, seja resultado das intenções de Érico, posto que o número "sete" é considerado o número da perfeição. E como os defuntos são impedidos de serem sepultados, acabam acordando de seu "sono mortal" e vão tirar "satisfações" com os vivos. Os sete constituem um exemplo do tecido social. Tem-se um advogado, uma religiosa, um comerciante anarquista, um líder sindical, um artista, uma prostituta e um beberrão. Tais personagens ajustam as contas com a sociedade e denunciam os desatinos, a hiprocrisia e toda sordidez dos setores mais nobres de Antares. Tal evento se dá numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1963. 
Personagens da minissérie exibida pela Rede Globo em 1994

A história, na segunda parte, centra a atenção na sociedade de Antares, fazendo dos eventos um microcosmos da sociedade brasileira. Notamos como as estruturas corrompidas da sociedade são constituídas pelos conchavos entre as forças políticas. Érico também insere a Igreja Católica na história. Temos assim, duas representações da história: a primeira realizada pelo padre Gerôncio, mais velho, preocupado com a instituição, representando uma velha ordem; e o padre Pedro-Paulo, que possui o nome de dois dos principais apóstolos de Cristo, representando o lado mais progressista da Igreja. Este último representa a Igreja atenta as movimentos da história. Padre-Paulo questiona os principais dogmas da Igreja e está ao lado dos grevistas e dos pobres.

É importante frisar que o livro possui uma tendência para firmar oposições, o que realça o forte tom político. Por exemplo, tem-se duas famílias rivais, dois clubes de futebol, dois padres (sendo que um Pedro-Paulo) que revelam forças contrárias dentro de uma mesma instituição, forças conservadoras da sociedade e forças progressistas; a oposição entre os homens e as mulheres (que à exceção de Dona Quitéria Campolargo) são submissas aos seus maridos; o submundo da favela Babilônia e o centro requintado representado pela aristocracia de Antares. Toda essa trama de teias de poder que leva o médico ser vendido ao prefeito, que é vendido ao coronel, que é vendido ao advogado em um efeito dominó, é descrito por um narrador que conta a história em terceira pessoa e que está presente oniscientemente em todos os fatos.
Érico, o extraordinário escritor!

Érico se utiliza da ironia e do sarcasmo. Em alguns momentos, certos excertos me fizeram lembrar de Machado de Assis, mestre neste quesito. O livro é denso e comporta uma abordagem mais profunda do painel sócio-político da sociedade gaúcha e a bem dizer brasileira. E nesse sentido, é interessante notar a habilidade do escritor para remontar o cenário político brasileiro e construir uma ficção da mais lata distinção.

Incidente em Antares é daqueles livros que terminda a leitura, ficamos a pensar em sua teia complexa. Pensamos na sociedade de aparências; no jogo de poder; na força irracional das oligarquias que se perpetuam; no desejo por melhores dias; na práxis que leva à luta e à aspiração por justiça e verdade. Pensamos, finalmente, no Brasil que é e no Brasil que sonhamos. Viva Érico Veríssimo!

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