quarta-feira, julho 10, 2013

Um excerto e uma constatação

O excerto abaixo foi extraído de uma postagem feita pelo "cavalo" do Charlles Campos. Claro, "cavalo" em acepção positiva. Não o conheço pessoalmente, mas o sujeito é uma das mentes mais eruditas que já tive oportunidade de me deparar. Deixemos o puxa-saquismo para lá. O post (um dos melhores dos últimos tempos produzidos por ele) entre as muitas ideias e reflexões levantadas traz um trecho que muito me chamou a atenção pela acidez cética e esquerdista de quem percebe com desconfiança a ditadura da mediocridade. O texto toca numa questão que me incomoda bastante: a ditadura dos celulares de última geração. Sempre vi o uso excessivo desses aparelhos de última geração como uma compulsão adolescente. Lido com esse público todos os dias e já consigo diagnosticar alguns comportamentos previsíveis. Aonde quer que eu vá, lá está o burguês médio com seu vício irreprimível, conectado a uma rede social a "curtir" sensaborias. A ignomínia de tal comportamento me leva a crer que vivemos o deserto do real. A barbárie do vício digital por bestuntices. 

(...) Minha irmã tem um ótimo rendimento mensal, não é esse o propósito da vida? Não é esse o objetivo esperado? Na televisão, um apresentador pergunta em qual país as vacas são tidas como seres sagrados, e minha irmã desvia os olhos por um momento do i-phone (com o qual chama atenção para um jogo estúpido de estourar balões que enebria meus filhos) e pergunta "qual país é mesmo?", ela que sempre foi uma aluna notável, monitora de química e física, de uma disciplina espartana para os estudos, qualidades as quais não obtive nem um quarto da distinção dela. Ela precisa saber de uma inutilidade completa dessas, que serve agora para programas insossos de tardes de domingo? Uma vez, levei ela e um antigo namorado dela para um pesque-pague, e na estrada eles viram uma vaca com um chifre imenso, e se surpreenderam com o fato de que não só o boi tem chifre, mas a fêmea do boi também, e me perguntaram, com um desalento infantil, como chifres tão grandes passavam pelo canal da vagina durante o parto. Eu levei tempo para perceber que eles não estavam brincando, esses exemplares bem sucedidos do homo-urbanus moderno. Mas logo me vi pensando em Sherlock Holmes, ao revelar para um atordoado dr. Watson, em Um estudo em vermelho, que ele desconhecia a rotação da Terra e várias outra informações inúteis, e só ocupava sua mente com coisas que lhe interessavam para sua vida prática. E assim é a maioria, para quem as sutilezas da leitura e de constatações não mais tão naturalmente óbvias sobre a paisagem cercante não representam nada em sua progressão para um posto bem localizado e remunerado na grande fauna citadina. E o quanto as armas de poder de sua rede de conhecimentos faz com que minha irmã esteja anos à frente de mim, muito mais preparada darwinianamente para enfrentar o mundo, quando ela, como um mágico vaidoso, pede para que eu coloque no som a música mais inacessível e desconhecida que eu tenho, aponta em seguida o i-phone para o estéreo, e na tela líquida aparece a foto do álbum, o nome da banda e a música inteira para ser ouvida.

Mas me mantenho teimoso e fiel a intuições arraigadas. Mês passado levei meu carro para a retífica, e eles me devolveram um carro tão potente e novo tal qual quando ele saíra da concessionária, em 1997. Minha irmã vendeu seu carro 2010 e comprou um modelo zero quilômetro, financiando um valor alto em 36 meses. Ainda penso que a alegria é muito superior à felicidade, que aliás essa última não existe, e passar pelo mundo engolindo toda espécie de entregas superfaturadas e falsas para meramente atender a uma necessidade de pertencimento é trair a complexidade que nos é dada no início e sobre a qual, o mínimo que devemos fazer em retribuição, é nos mantermos sempre em um suave, ingênuo e ativo deslumbramento. A leitura sempre me ofereceu esse tipo de inferno: a da consciência do outro, da responsabilidade de não estar-se sozinho no tempo e no espaço. E se tudo correr bem, as derivações pelo caminho não sendo muito sinuosas, meu filhos continuarão recebendo esse presente" (...).

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