Lendo a crônica "Deus existe?", de Rubem Alves, que faz parte do livro "Transparências da eternidade", encontrei algumas afirmações que me deixou cheio reflexões. É uma daquelas afirmações poéticas e singelas que eram tão típicas do Rubem. Deus é uma incógnita - ("Que seria de nós sem o socorro daquilo que não existe?" - Paul Valéry). Há aqueles que afirmam com a boca cheia que a Sua existência é indubitável. Falam com o coração cheio de certeza. Batem no peito em um gesto embriagado de convicção. Mas penso que Deus seja uma daquelas intuições misteriosas, uma tentativa de reposta para aquilo que nos inquieta; para aquilo que é maior que nós e para as quais não temos respostas.
Desconfio daquelas pessoas que abrem a boca e, num gesto de certeza, de convicção inquebrantável, afirmam: "Deus existe! Eu tenho convicção sobre isso". Deus é um sorriso de criança que às vezes brota em nosso coração. É a capacidade de nos mantermos humanos em meio a tanto caos, em meio a tanta ignorância. Dizia o velho Nietzsche que "as certezas são piores que mentiras". Respeito mais aquele que tem uma fé duvidosa e não segura de si, do que aquele que é capaz de morrer por sua convicção. Este pode se tornar em um inimigo da humanidade por causa de sua crença.
É por causa disso que algumas pessoas matam e morrem. Para esse tipo de indivíduo, as minhas certezas somente respeitam o outro, quando o outro, coaduna com as minhas certezas. Em matéria de crença, poucas são aquelas pessoas que sabem conviver com o diferente, que sabem respeitar a crença do outro. Quem chega a isso, já caminhou bastante em direção ao amadurecimento.
Fico a pensar sobre a existência de Deus e me recordo de uma afirmação de Rubem Alves: "Se os jardins existem, Deus tem que existir". Essa concepção sobre Deus é aquela em que vejo repousar a liberdade. Hoje, na escola onde trabalho, vi uma apresentação de crianças cantando a canção Benke, de Milton Nascimento, e não pude me conter. Aquilo foi muito bonito. Fiquei a pensar na singeleza da vida; nos pedaços pequenos de alegria e beleza que existem nos mosaicos dos dias que passam. E ouvindo as crianças cantando aquela música, pensei: "Deus tem que existir, pois esse momento existe". Fujo dos dogmatismos; rechaço as convicções e me lanço completamente no caminho incerto da dúvida. E o Rubem diz assim:
(...)A beleza é entidade volátil - toca a pele e rápido se vai.
Pois isso a que nos referimos pelo nome de Deus é assim mesmo: um grande, enorme Vazio, que contém toda a beleza do universo. Se o vaso não fosse vazio, nele não se plantariam flores. Se o copo não fosse vazio, com ele não se beberia água. Se a boca não fosse vazia, com ela não se comeria o fruto. Se o útero não fosse vazio, nele não cresceria a vida. Se o céu não fosse vazio, nele não voariam os pássaros, nem as nuvens, nem as pipas...
E assim, me atrevendo a usar a ontologia de Riobaldo, eu posso dizer que Deus tem de existir. Tem beleza demais no universo, a beleza não pode ser perdida. E Deus é esse Vazio sem fim, gamela infinita, que pelo universo vai colhendo e ajuntando toda a beleza que há, garantindo que nada se perderá, dizendo que tudo o que se amou e se perdeu haverá de voltar, se repetirá de novo. Deus existe para tranquilizar a saudade. (...)
Alves, Rubem. Transparências da eternidade. Editora Verus. Campinas, 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário