quinta-feira, agosto 14, 2014

Um mistério chamado Machado de Assis

Terminei a leitura de Papéis Avulsos (1882), de Machado de Assis. E ficou posta em mim uma admiração indefinida. Ler contos como O alienista, Teoria do medalhão, O empréstimo, A sereníssima república e O espelho, deixou-me por dias absorto com a elegância e o controle da narrativa por parte da pena do escritor. Machado foi um literato cuja limpidez e pureza do texto impressionam. O escritor carioca, com certeza, foi uma das mentes mais brilhantes que já produziram literatura. Pensando na grandiosidade de Machado, resolvi reler a sua obra em prosa - ou pelo menos aqueles livros que li há muito tempo e a memória não coou os fatos e tudo se diluiu pelas frestas do esquecimento. Após terminar Papéis Avulsos, comecei a leitura de Ressurreição. Este livro é a primeira obra em prosa do escritor. É um livro cujo estilo ainda está preso no artificialismo romântico. Machado parece fazer um ensaio estilístico para a produção de suas grandes obras.

E essa mesma tendência vai se dá nos próximos dois romances - A mão e a luva (1874) e Helena (1876). São livros que mostram a mulher idealizada. Uma expectativa irreal sobre o ser humano. É um texto que exalta as senhoras de belos vestidos e falas grandiloquentes; os salões; os teatros; e o todo charme burguês. As personagens parecem bonecos programados que reproduzem falas técnicas em excesso e vivem de infelicidade em infelicidade até encontrar o bendito amor.  Em dados momentos, a coisa chega a provocar riso. Mas, ao fundo, enchergamos a sociedade com os seus caprichos e sua hipocrisia ocultada pelo pó, pelas falas artificiais e pelo luxo fútil. 

Machado parece ser um mistério. Como um garoto suburbano, de origem humilde, gago, mulato, de aspecto frágil, epilético, chega se tornar um monstro capaz de produzir livros como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba ou Memorial de Aires? E maior mistério se dá a partir do final da década de 70 do século XIX. É neste marco cronológico que notamos o crescimento exponencial à estatura de um colosso. Se Machado tivesse ficado apenas a produzir livros com o sabor daqueles produzidos na primeira fase, hoje ele seria um escritor menor. Em 1881, Machado lançou Memórias Póstumas. Acredito que este seja um dos livros mais densos em ironias, sarcasmos, erudição e vocacionado para uma análise profunda da sociedade brasileira. O livro possui uma escrita singela. Acompanhamos o seu fluxo e parecemos ouvir o marulhar das águas de um rio, dado à grandeza e transparência do texto. Machado decanta as palavras. Esmerila. É uma artesão preocupado com a fluência e com perspicácia do foco narrativo. Fala de coisas profundas com uma linguagem imaculadamente simples e pura. Como que em dez anos, alguém consegue mudar de forma tão profunda?

Há quem diga que mudança se deu por causa de Carolina, sua esposa. Eles casaram em 1869 e ficaram juntos até 1904, ano em que ela morreu. Carolina Augusta Xavier de Novais era portuguesa e bastante culta. Segundo alguns historiadores, ela foi responsável por apresentar a literatura inglesa para Machado. Foi por intermédio dela que ele teve acesso ao texto de Sterne e nomes importantes que foram definitivos, como Swift; nomes responsáveis pelo amadurecimento da segunda fase literária do escritor.

O fato é que cada página que leio de Machado de Assis, mais me fica a certeza de que ele é um daqueles escritores que cada minuto com ele nos enriquece para que tenhamos uma visão mais apurada do ser humano. Ele era uma espécie de Dostoiévsky carregado de ironias. Há tesouros inesgotáveis em seus escritos. Os seus contos à la Maupassant, não perdem em nada para os grandes contistas da literatura universal. Ele conseguiu dominar o gênero e produziu livros de leitura obrigatória como Papéis Avulsos, Histórias sem data, Páginas recolhidas e Relíquias de casa velha.

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