quinta-feira, agosto 09, 2018

A patética afirmação do general Mourão

Na segunda-feira, 6, o vice do patético Jair Bolsonaro, proferiu uma frase carregada de um culturalismo fascista. O general da reserva do Exército Brasileiro afirmou em palestra no Sul do país que o problema de nosso atraso está relacionado com "a indolência do negro e a malandragem do negro". Segundo ele, ainda, o Brasil teria herdado "uma cultura de privilégios" dos países ibéricos, no nosso caso, oriunda de Portugal. Em se tratando da fonte de onde emanou, tal assertiva não impressiona. Bolsonaro e Mourão constituem aquilo que há de mais primitivo, patético e de forte tom burgesso que existe. São resultado de um fenômeno de imbecilização coletiva. Como disse Pedro Cardozo: "Bolsonaro é um sujeito equivocado com a própria virilidade". 

Se houvesse a mínima compreensão, entendimento da história do Brasil e quais atores foram responsáveis pela sua construção, nem Bolsonaro (um figurão que passou quase trinta anos se alimentando no submundo da política, com o intuito de tirar vantagens) nem Mourão (outro oportunista, que não compreende que a manutenção do status quo político é a primeira consequência de sua atuação), não teriam qualquer atenção. Uma vez que a sociedade tivesse debatido esse tema tão caro à nossa história, figuras como Bolsonaro e seu vice não teriam crédito como passaram a ter neste momento tão atribulado de nossa vida republicana. 

Mas voltemos à afirmação de Mourão! Primeiro é importante entender, que a tese sustentada pelo candidato a vice na chapa de Bolsonaro já foi defendida em alguns momentos da história. No final do século XIX e início do século XX, o maranhense Nina Rodrigues, baseado em teorias oriundas do cientificismo evolucionista, entendia que havia raças superiores e raças inferiores. Um dos primeiros estudiosos da formação racial brasileira, entendia que não havia uma igualdade como alegada pelos liberais. No seu entendimento, a igualdade residia apenas no campo teórico, ou seja, nos compêndios dos juristas. O resultado da mistura de raças era o atraso cultural. Não cabia aos brancos do país, permitir que a miscigenação continuasse. Para ele, a inferioridade racial do negro criava uma propensão para a prática de crimes. O negro possuía, por ser de uma raça inferior, uma disposição que o inclinava para a marginalidade. Houve assim uma bestialização do negro, com uma suposta base científica. 

Mais tarde, esse tipo de ideologia seria defendida, por exemplo, pelo movimento nazi-fascista surgido na Itália e na Alemanha. O negro e o índio são partes constitutivas da cultura brasileira, juntamente com os europeus. Não se pode dissociar esse fato. 

Um segundo fato que deve se compreender da fala de Mourão é de que ele praticou um crime coletivo; uma injúria cometida contra a própria sociedade brasileira. Há o sangue do europeu, do índio e do africano pulsando no interior de milhões de brasileiros. Negar isso é negar a própria história.

Uma terceira questão que deve ser considerada é: quem foram o negro e o índio no processo de construção do Brasil? Em relação aos índios, é preciso afirmar que boa parte das populações indígenas foi exterminada.  De um total de mais cinco milhões, quando da chegada dos portugueses, atualmente restam pouco mais de trezentos mil. O índio não é indolente. É preciso entender sua cultura; sua relação com a natureza. No tocante ao negro, este foi mais injustiçado. O maior crime da história do Brasil foi cometido contra os negros. Há uma dívida absurda contra eles. Enquanto não se resolver esse dilema histórico, o Brasil amargará a desigualdade; há crimes sendo cometidos; injustiças sociais; preconceitos dos mais variados tons.  

Os negros foram trazidos do continente africano como bichos sem qualquer dignidade. Castro Alves cantou isso no seu "Navio Negreiro". Do negro, desejava-se apenas a sua força; e, das negras, o sexo. Milhões foram trazidos e vendidos como animais. Morriam cedo. A expectativa de vida era baixíssima - no máximo, trinta anos. Eram propriedade do seu senhor. Podiam ser negociados, como  se negociam bestas (bois, cavalos, mulas, ovelhas, cabras) numa feira. Após a Abolição da Escravatura, uma jogada do capitalismo industrial, forçada pelos ingleses, os negros se viram em outro dilema: o que fazer e para onde ir? Muitos foram obrigados a migrarem para as periferias; outros, por sua vez, continuaram submetidos ao mesmo regime de escravidão, com a exigência apenas de um prato de comida. A abolição se deu apenas no campo da formalidade, mas,  não efetivamente, no campo da materialidade. Não houve um acerto de contas do estado brasileiro com o negro. Não houve indenização aos escravos. Não houve distribuição de terras. Se a Reforma Agrária do Brasil tivesse começado naquele momento histórico, 1888, certamente estaríamos numa outra condição. As terras continuaram concentradas nas mãos de poucos privilegiados, as chamadas oligarquias regionais. 

Um quarto fato diz respeito a uma pergunta fundamental: se a culpa pelo atraso brasileiro não é do negro nem índio, de quem é? Esta pergunta o general Mourão não ousa fazer. É importante pensar que ao longo de quinhentos anos, primeiro sob a liderança das elites portuguesas, depois, sob as elites agrárias constituídas em solo nacional, o Brasil não conheceu mudanças, processos abruptos para desconstruir a desigualdade. O povo se manteve distante das decisões. Os ricos desse país sempre nutriram um preconceito crasso contra os marginalizados. Somos um país em profundo atraso e indolência por causa das elites  (seja ela midiática, agrária, financeira, política etc) defendidas pelo general Mourão. É justamente essa gente que atrapalha o avanço do Brasil. Ela trabalha para boicotar o país, para saquear as riquezas nacionais; para se apropriar do fruto do trabalho do povo. É esta elite que impede que se façam políticas que incluam o negro. É esta elite que alimenta um preconceito histórico contra os mais pobres (em sua maioria, negros) e cria determinadas "teses" para que sejam defendidas pela própria sociedade (principalmente defendidas por alguns setores da classe média).

A tese sustentada por Mourão é criminosa. Por mais que ele ensaie respostas estapafúrdias, deixa evidente como uma noção equivocada de nossa história é disseminada. Utilizar os índios e os negros (principalmente este) como bode expiatório para justificar nossos dilemas e desigualdades, é se utilizar da mesma estratégia elaborada por Hitler na Alemanha. Naquele momento histórico, a Alemanha enfrentava uma crise gigantesca. O desemprego e a miséria eram grandiosos. A economia do país estava destroçada por conta da Primeira Guerra Mundial. Todavia, no jogo da cooptação é mais fácil atrair sectários com um discurso enviesado e nutrido de preconceitos, atribuindo a culpa dos males de determinada sociedade a certos agentes. Hitler apontou o seu dedo para os judeus, comunistas, ciganos, homossexuais etc.

Mourão nunca fará a pergunta de forma correta. Ele sabe o que defende. Seu nacionalismo é entreguista e subserviente. Ele não fará perguntas contundentes, pois seu papel como general é defender os privilégios de determinados setores, mesmo que para isso ele continue a inventar factoides esdrúxulos como aquele proferido no Rio do Grande Sul.



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