terça-feira, janeiro 22, 2019

Bolsonaro e as ideias pequenas

"Ele me dá medo".
"O Brasil é um grande país. Merece alguém melhor." 

Robert Shiller, professor na Universidade de Yale e Prêmio Nobel de Economia, falando sobre Bolsonaro

O Brasil é um país imenso. Grandioso por natureza. Escolhido por Deus. Com vocação mítica para o futuro, com fortes propensões para o sebastianismo. Ele é assim evocado nos arroubos mais pueris em momentos de Copa do Mundo; cantado na letra do hino, que poucos entendem dada a complexidade das amarras sintáticas e as palavras eruditas que não fazem parte do repertório do povo. É também o país das incongruências. Dos sortilégios. Há uma grande energia potencializada no povo. Todavia, essa força não é administrada para os grandes projetos, para a construção de uma identidade civilizatória.

Ouvindo as repercussões do discurso de Jair Bolsonaro no Fórum Econômico de Davos, na Suiça, fiquei pensando algumas coisas. Pela primeira vez, um líder de um país latino-americano teria a honra de discursar na abertura dos trabalhos.  Era uma chance de ouro para voltar maior de lá, de exorcizar de vez a crise que derrete o seu inconsistente governo. O discurso seria importante para indicar a tônica das negociações. Em outras palavras, criaria um clima, um ambiente para cumplicidades e entrosamentos. Em Davos, o líderes do capitalismo financeiro global estariam presentes - com a exceção de Trump, que tem criado um clima diverso dentro do bloco do grande capital. Os economistas laureados; os investidores opulentos; os banqueiros habilidosos em fazerem dinheiro; os economistas com o faro apurado para detectar cenários, todos eles estariam com os olhos atentos para o capitão. 

Criou-se grande expectativa em torno desse discurso. Todavia, a grande questão é o responsável pelo discurso. Alguém que durante a campanha eleitoral fugiu dos debates. Que cancela entrevistas; que foge de jornalistas; que busca driblar a imprensa; que seleciona as perguntas para que estas sejam cômodas e estejam em seu nível. Em outras palavras, alguém que possui uma formação mediana e uma verbalização monocórdia. Se ele tivesse oportunidade, certamente teria declinado do convite. Teria arranjado um atestado médico. Não o fez, pois teria uma repercussão negativa. Enganou durante a campanha, não poderia enganar agora o mundo. Ele sabia que a tarefa era maior do que ele. O posto que ocupa possui um altura em metros, enquanto ele possui a estatura medida em milímetros. 

Segundo o jornal espanhol El Pais, seu discurso (de fala mesmo) não durou mais do que oito minutos. Inicialmente a ideia era que falasse de 30 a 45 minutos. Os anúncios para apresentação da autoridade, conforme a praxe do evento, duraram quinze minutos. O presidente, por sua vez, fez um discurso pífio de minutos contados. 

Outro aspecto que chama a atenção é o conteúdo do discurso. É importante atentar também para o que não foi dito. Em todo discurso, há elementos explícitos, mas há também elementos implícitos, que podem ser depreendidos por meio das pistas, os pedaços de fatos, de acontecimentos  deixados na enunciação. O exercício de encontrar os elementos implícitos é uma habilidade que se adquire praticando ilações. 

Durante a campanha - e mesmo em Davos - Bolsonaro e sua trupe antiglobalista repetiu de maneira sobranceira, numa espécie de nacionalismo piegas e alienado, que "o Brasil está acima de tudo e deus acima de todos". O que se viu no discurso de Bozo foi justamente a subserviência, o entreguismo das "repúblicas de bananas". Bolsonaro pintou um quadro de que o Brasil é um país colapsado, devastado. Há violência por todos os lados. É como se o simples fato de andar na rua fosse um perigo; que vivemos em uma selva. O presidente afirmou que o país está sendo arrumado para que as famílias ricas do planeta possam visitá-lo.

Não há novidades no discurso do Bozo. Há muitos truísmos; mais do mesmo; há pequenez de alguém que ganhou a eleição com fakes news e acha que ainda está em campanha. Há uma fala grávida de puerilidade, como se ele fosse um colegial despreparado e estivesse apresentando um trabalho para a classe. A fala é pausada. Há intervalos, demonstrando insegurança. Ataques infantis à esquerda. Uma teimosia tola em afirmar que o país vai fazer negócios "sem viés ideológico". O simples fato de afirmar isso de maneira incontida já firma um compromisso ideológico. Não existem ideias neutras. Discursos neutros. Se não existe "viés ideológico" em seu governo, ele deveria parar de falar "bolivarianismo", deveria parar de falar que "a esquerda não vai voltar mais ao poder".

O primarismo de Bolsonaro deixa a entender que somos um país de desvalidos. Que estamos clamando para que os investidores se apresentem por aqui para comprarem nossos produtos naturais. Temos florestas; temos rios; "temos bananas"; temos florestas imensas e até um Pantanal. Sim! Todos sabem disso. Segundo ele, "O Brasil é um paraíso". Por trás disso, há a mítica ideia de que o Brasil é um reino encantado. Uma terra de fábulas. Um Éden tropical. Somos a selvagem, mas dócil nação acolhedora. Não temos nada a oferecer a não ser os nossos recursos, nossos corpos e a exploração da força de trabalho barata do nosso povo. Na sua pobre concepção, o Brasil não possui riquezas, tecnologia de ponta, empresas estatais grandiosas, capazes de promoverem desenvolvimento e bem estar-social.

Em resumo, é como se Bolsonaro dissesse: "Venham! Venham para a grande feira! Vamos entregar tudo para vocês. Está tudo pronto! Venderemos tudo! Privatizaremos! Faremos reformas para facilitar o fluxo de capitais e apropriação das riquezas construídas pelo estado nacional. Guedes será o timoneiro! E eu, por não possuir competência, ficarei de cá falando de ideologia de gênero, marxismo cultural e viés ideológico. Somos galinhas e o nosso quintal é grande demais. Peguem tudo".

Um comentário:

Liovânio disse...

O Brasil tem um grande defeito de gestão publica e privada, escreve aí fessor de português.