segunda-feira, janeiro 14, 2019

“Os sete enforcados”, de Leonid Andreiev

"Era estranho pensar que tanto cuidado humanitário e tanto esforço estavam sendo empregados para enforcar pessoas; que o ato mais insano da terra estava sendo cometido com tanta simplicidade e eficiência". (p. 150)

“Os sete enforcados” foi o último livro que li em 2018. Nunca havia lido nada desse autor. Cheguei a Andreiev por causa de uma lista feita por Graciliano Ramos. No livro  O velho Graça, de Dênis Moraes, encontrei uma relação com os livros fundamentais na visão do autor. Como sempre me interessei pela literatura do autor de Vidas Secas – e o tenho na mais alta estima -, ler Andreiev, bem como as outras obras da relação, passou a ser um dever, tornou-se uma obrigação. Fui à cata do livro. Encontrei-o na Estante Virtual. 

Sua literatura surge dessa estrutura nefasta, tristemente nebulosa, melancolicamente amarga.

    Não é um livro volumoso. A literatura do russo não é grandes proporções. Escreveu pouco em sua curta vida. Nasceu em 1871 e morreu em 1979. Aos 22 anos, tentou o suicídio. Carregou, por conta do episódio, um efeito colateral da tentativa mal engendrada, uma moléstia que reduziu a sua vida. 

    Como muitos intelectuais de sua época, não tomou partido da Revolução Russa, como Gorki, por exemplo. O regime que substituiu o czarismo, parecia absurdo. À distância, observava a banalidade com que a vida passou a ser tratada. Antes da Revolução, havia organizado reuniões secretas. Flertou com o movimento revolucionário.  Acabou rechaçando a possibilidade de uma participação efetiva. 

Sua literatura surge dessa estrutura nefasta, tristemente nebulosa, melancolicamente amarga. O texto de Andreiev possui um movimento lento, medido. Cada palavra é enunciada com parcimônia, como se estivesse construindo uma arquitetura silenciosa. Consegui cintilações do estilo de Andreiev nos textos de Graciliano Ramos. O minimalismo do conto “O relógio do hospital”, do escritor alagoano, certamente possui muito da economia de palavras objetivando, unicamente, dizer o essencial. Aquilo que emudece o leitor. Há um drama mudo, intrínseco em cada palavra. Uma marcha da narrativa, que se avoluma pelo controle extremo do texto. As palavras possuem um valor fundamental. É preciso escolhê-las de maneira correta, certeira; não desperdiçá-las com lances imprecisos; que criam labirintos desnecessários, tornando o texto enfadonho, pouco objetivo. 

Outro escritor próximo do estilo de Andreiev, pela secura realista, é Varlam Chalámov. O autor de Os contos de Kolimá foi preso e acusado de conspiração durante o período stalinista. As pungentes descrições das agruras sofridas tornam evidente o quanto a vida humana pode se tornar secundária quando os totalitarismos fazem prescindir os direitos humanos, quando o diferente passa a ser como um número, uma “coisa” a ser eliminada. A visão fria de Chalámov, o realismo duro, sombrio, aproxima-o do autor de Os sete enforcados. As experiências descritas demonstram a engenharia da morte. As vidas humanas são tratadas como mulambos, rebotalhos; os sujeitos são tratados como escória, refugo, matéria sem préstimo.
Leonid Andreiev (1871-1919)

Andreiev, como alguém falou, é um “matemático do horror”. Sua mente era povoada por cores nefastas; tinturas de um mundo frio, onde a vida é um detalhe secundário. Andreiev é um psicólogo da agonia. Em certa passagem do livro em que o narrador afirma: 

“E torturava-se, não porque a Morte era visível, mas porque a Morte era visível, mas porque tanto a Vida quanto a Morte eram visíveis ao mesmo tempo” (p. 110). 

Essa dupla visão do autor, torna evidente um quadro do momento histórico em que ele vivia. A história de “Os sete enforcados” é bastante simples. Cinco jovens – três homens (Sergey Golovin, Werner e Vasily Kashirin) e duas mulheres (Tânia Kovalchuk e Musya) – são presos por atentarem contra a vida do ministro. O serviço de contra-inteligência do ministro acaba rastreando as intenções dos cinco jovens. Há dois outros sujeitos que são presos e enforcados com os jovens – Ivan Yanson e Mikhail Golubetz ou Tsiganok. Os dois eram criminosos comuns. Yanson havia assassinado o patrão; Tsiganok tinha uma vida toda ligada às práticas delitivas. 

O livro possui doze capítulos breves. Toda obra pode ser lida de um único lance, o que permite uma experiência de tirar o fôlego. Não há nada de extraordinário no mote da história. Outro escritor com a mesma tema não conseguiria tão grandes efeitos. O extraordinário do livro é a investigação psicológica que o narrador faz dos sujeitos solitários antes do enforcamento. Inundados pela solidão das celas, as personagens analisam suas vidas. Enxergam-se pequenos. Nutrem receios.  São visitados pela insegurança. Jubilam. Alguns não admitem a intransigência imposta. Misturam-se emoções contraditórias. O que se deve pensar quando se está diante da morte? Quais fatos são os mais importantes? O que é a vida e quem tem o direito de liquidá-la? 

Andreiev escreve para denunciar a violência da pena de morte. Em “Os sete enforcados” percebemos o quanto a vida pode ser “coisificada”, relativizada, transformada em objeto; o quanto pode ser imolada pela tirania. Desconsidera-se a potência de cada pessoa – a sua história, sua ontologia, sua idiossincrasia; o que torna cada sujeito naquilo que ele é. Sendo cada sujeito um evento único na história do universo, a morte provocada pela força se torna uma aniquiladora do diverso e do pessoal.

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