segunda-feira, janeiro 28, 2019

Notas sobre “Zelota - a vida e a época de Jesus de Nazaré", de Reza Aslam. I


Alguns comentários feitos a partir da leitura de “Zelota - a vida e a época de Jesus de Nazaré", de Reza Aslam.

1    No geral, Pilatos não realizava entrevistas a prisioneiros. Ele assinava um documento e o prisioneiro era enviado para a crucificação. É inusitadamente estranho que a teatralização descrita nos evangelhos tenha ocorrido. Salvo se os crimes cometidos por Jesus tivessem adquirido um nível de seriedade tal que demandasse a necessidade de entrevista.

2    Um segundo fato que gera estranheza e um quê de ficcionalidade é o julgamento de Jesus. Pilatos era conhecido pela sua indisposição para com os judeus. Ele mandou colocar a imagem de uma águia no templo, símbolo da supremacia romana, em Jerusalém. Apoderou-se dos tesouros do templo para construir o aqueduto da cidade. O insólito da história é perceber, segundo o Evangelho de Marcos (15.1-15), haver um costume durante a festa do Pessach de se soltar um prisioneiro, uma espécie de indulto. Diz o texto atribuído a Mateus, que “por ocasião da festa, costumava o governador soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse” (27.15). Não há qualquer registro histórico dessa prática. Além do mais, é estranho que Pilatos pelo seu aspecto e personalidade  o fizesse. Diz Marcos que “Pilatos, querendo contentar a multidão, soltou-lhes Barrabás”. É simplesmente atípico que assim tenha acontecido. A relação de dureza de Pilatos para com os judeus chegou a níveis tão dutos, durante os dez anos do seu governo, que os judeus fizeram uma reclamação a Roma. “Contentar”, “agradar”, não eram verbos típicos das ações do governador romano. A narrativa desse ponto de vista é patentemente fictícia. Não haveria possibilidade de Pilatos interferir ou se ocupar com os ritos e costumes da cultura religiosa dos judeus. Afirmar que Jesus esteve na presença de Pilatos não é impossível. Talvez, se fosse um crime extraordinário que assumisse dimensões de grande repercussão, de enorme significação.

3      A descrição do julgamento perante o Sinédrio demonstra o quanto os evangelistas desconheciam a lei judaica. A Mishna traz os ritos necessários a qualquer julgamento e eles não eram aplicados em 30 d.C, quando se deu a crucificação de Jesus. O Sinédrio não se reunia em locais informais (pátio); não se reunia durante o Pessach; não se reunia à noite; não se reunia durante o Sabath.

4.     Outro aspecto bastante curioso o fato de os evangelistas criarem uma imagem de Pilatos como se este fosse completamente neutro, não tivesse necessariamente responsabilidade com a morte de Jesus. Os evangelhos se analisados por uma gradação (do mais antigo para o mais recente), possuem uma evolução de responsabilidade. Quanto mais tardia é a narrativa, menor é a culpa do governador romano. O mais antigo dos evangelhos é o atribuído a Marcos. Nota-se que Pilatos realiza a vontade da multidão, incitada “pelos principais sacerdotes”. Ato contínuo, Pilatos procura “contentar” a multidão; solta Barrabás; manda açoitar Jesus e, em seguida, entrega-o para ser crucificado. Em Mateus, nota-se que até mesmo a mulher do governador pede para que ele não se “envolvesse com aquele justo”. Pilatos para explicitar a sua não participação na morte do “justo”, lava as mãos num gesto simbólico. O povo adensa ainda mais a responsabilidade. Chama para si a culpa, deixando implícita a ideia de que até mesmo os próprios filhos seriam co-responsabilizados para todo sempre. Lucas afirma que Jesus esteve em duas ocasiões na presença de Pilatos. E até mesmo Herodes Antipas lhe era simpático. O evangelista delibera que era “desejo de Pilatos soltar Jesus”, todavia o povo em uníssono, gritava: “Crucifica-o!” “Crucifica-o!” Pilatos tem, assim, a sua vontade contrariada – logo Pilatos!  João, o último evangelho a ser escrito, possivelmente em uma data próxima de 100 d. C., avança na tentativa de culpabilizar os judeus e tirar a responsabilidade de Pilatos e, assim fazendo, a responsabilidade do estado romano. Os romanos seriam apenas instrumentos do ódio empedernido dos judeus. João afirma que o governador ficou “atemorizado”, após saber que os judeus que acusavam tinham uma lei; que Jesus deveria morrer “porque a si mesmo se fez filho de Deus”. É estranha a afirmação do evangelista. Pilatos era uma autoridade romana, alguém que fora colocado no poder pelo próprio imperador. Atemorizar-se com a declaração era, simplesmente, deixar claro a dubiedade da autoridade de Pilatos. Outro fato estranho é a afirmação que soaria blasfema para qualquer judeu do I século. Pilatos pergunta: “Hei de crucificar o vosso rei?” Os “principais sacerdotes” respondem num gesto inusual: “Não temos rei, senão César”. Tal declaração destoa daquilo que a história evidencia. Reconhecer que “César era o único rei” significava comprometer a identidade religiosa dos judeus. Se existe algo que identifica o povo de Israel é a defesa intransigente de sua religião. Não existe outra autoridade além de Javé. Havia um zelo fundamental, uma necessidade constante de reconhecer a soberania da autoridade divina.

Um comentário:

Liovânio disse...

Deus é o único, se ele enviou o filho para nos salvar, por que mataram jesus?
Explane aí para nós leitores