sexta-feira, janeiro 11, 2019

Algumas considerações sobre “Lolita”, de Vladimir Nabokov


"Pois não há bem-aventurança na terra que se compare a acariciar uma ninfeta". 
Humbert Humbert

Lolita, de Vladimir Nabokov, não é uma obra literária comum. Certamente, tal definição não clarifica as ressonâncias da obra. O livro é controverso, de narrativa com passagens nauseantes. Por outro lado, o narrador possui uma erudição envolvente. Ele deseja nos capturar pela elegância, pelas blandícias de uma linguagem encharcada de poesia. 


                O livro Lolita, escrito em 1955, é um evento na vida de Nabokov. O escritor russo, radicado nos EUA, escreveu o livro em inglês. Sua família havia fugido da revolução bolchevique, com a qual destoava. Nabokov não encontrou uma editora que publicasse sua controversa produção literária. Seria literatura ou pornografia?

                Por fim, uma editora francesa acostumada a publicar livros pornográficos, topou o empreendimento. Ou seja, Lolita surgiu para os leitores como uma obra com caráter pornográfico. Certamente, se esse era o objetivo, os leitores ficaram decepcionados. As referências à obscenidade, ao libidinoso, estão encobertos por uma camada grossa de tinta poética. Sabe-se que o narrador faz menção ao que estamos pensando, mas há um caráter implícito potencializado pela imaginação de quem ler. 

                Com o tempo, descobriram-se as qualidades da obra. Havia ali virtudes de uma obra universal. A literatura é literatura é capaz de produzir efeitos únicos. Ela fornece, por meio de verossimilhanças e inverossimilhanças, uma visão mais nítida dos fenômenos que constituem a vida humana. O que a ciência não é capaz de dizer por possuir limitações, a literatura não encontra limites; grita alto a plenos pulmões. 

                A pedofilia é um tema tabu na sociedade moderna. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a pedofilia é uma doença; um transtorno psicológico. O pedófilo, por tanto, é aquele sujeito que possui atração sexual por crianças e adolescentes pré-púberes. Não existe o tipo penal “pedofilia”. Não há uma lei específica que aborde o tema. Ninguém pode ser punido por ter uma doença. Todavia, quando o pedófilo materializa a sua patologia, configura-se a tipicidade penal. Nem todo pedófilo é, pois, um criminoso. É uma questão séria. Não há cura para a pedofilia. O tratamento é clínico. 
Vladimir Nabokov (1899-1977)

                O personagem do livro de Nabokov tem consciência desse fato. Ele premedita situações. É um estrategista minucioso de como deve proceder para ter a jovem que ele denomina Lolita. A única voz que escutamos em todo romance é a sua. Sabemos o quanto ele é habilidoso com as palavras. É um erudito; um catedrático, que explora com destreza a linguagem. O leitor é conduzido, impelido, como um animal indo ao matadouro, sem dá conta do fato. Por fim, torna-se simpático à sua lírica enfeitiçante. 

                Humbert Humbert é um tipo sarcástico, capaz de produzir um humor muito fino. Ao prestarmos atenção ao seu palavrório refinado, fica claro o gênio narrativo de Nabokov. Ele possui um controle absoluto da história. Coisa assim, eu somente havia encontrado em Machado de Assis. Aliás, há uma correlação de caráter entre Bentinho e Humbert Humbert. Bentinho é um ciumento, capaz de vislumbrar fantasias; um parcial sujeito que busca convencer o leitor da culpa de Capitu. Humbert Humbert também procura deixar evidente a sua obsessão, que chega às raias do desespero. Diferentemente de Bentinho, ele tem consciência de sua condição. Mas a pergunta que surge é: As coisas se fizeram como ele conta, de fato? Lolita – parece – deixa-se dominar pelo minotauro sedento e irracional que é Humbert Humbert. Não ouvimos a sua voz, senão pela voz do narrador. 

                É importante entender, longe de qualquer moralismo, que é uma obra extraordinária. Um dos grandes livros da história da literatura. Pela temática espinhenta, é comum formularmos uma imagem defeituosa de Humbert Humbert e, por tabela, do próprio autor da obra. Nabokov é um gênio. Estava inspiradíssimo a escrever o livro. Era um estudioso que escrevia textos difíceis, fazia traduções do russo, dava aulas em mais de um lugar. Ganhava a vida com isso. Lolita deu-lhe fortuna. Tornou-o conhecido. E alvo de indisposições. 

                Lolita é uma “crueldade literária”. É belo. O estilo é elegante, ensolarado. Sentimos o frescor da linguagem. A voz sedutora de H. H. A sua capacidade de inebriar o leitor é um caso incomum. Por outro lado, o narrador sabe da zona perigosa em que se encontra. Faz de tudo para criar sensibilizações naquele que ler, que atua como juiz para escrutinar a sua insaciável obsessão. 

1. O jornal espanhol El Pais, o ano passado, trouxe uma reportagem que fazia referência ao caso de Sally Horner, sequestrada e maltratada por um pedófilo e que teria inspirado Nabokov. 

2. Em 1962, Stanley Kubrick produziu o filme Lolita, com roteiro do próprio Nabokov.

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