quarta-feira, dezembro 28, 2011

Os votos de final de ano e as crenças

Viver entre os homens é considerar comportamentos e contradições. Nos últimos dias, e com a proximidade das últimas horas que nos conduzirão ao ano de 2012, notamos o discurso do otimismo, das supertições de final de ano. No noticiário que vi esta manhã, como que por meio de uma instigação a um otimismo para fecundação de um ato, mostrava-se como as pessoas reagem ao esperarem melhores dias no novo ano que vai começar. Já me acostumei com esse comportamento de final de ano. Todos os anos essa corrida à supertição acontece.

Para alguns, a cor da roupa determina o ano que se vai ter. A peça intíma feminina também. A comida que se come também é um fator determinante àquilo que se vai ter durante todo o ano. É comum se comer lentilhas para atrair dinheiro. Alguns outros vão para a praia e depositam nas águas as suas esperanças. Outros ainda, refulgiam-se em igrejas buscando proteção divina no período de 365 dias do próximo ano. Seja uma crença institucionalizada ou não, o fato é que tudo isso é resultado de um comportamento religioso.

O que é a crença? É a percepção dos valores que sustentamos. Uma coisa só vale mais do que outra porque assim o estabelecemos e desejamos. A fé é uma disposição biológica. Parece haver no cérebro humano um lugar para o numinoso. Quando debato sobre a fé de alguém, piso no terreno do indiscutível. "Fé é porque é"; "vejo algo e dou fé do que vi". É aquilo que Kierkegaard disse certa vez: "Fé é fé e eu procuro uma que seja verdadeira para mim". Ou seja, a crença é algo vinculado ao ser humano, ao mundo humano.

No século XIX, Auguste Comte, conhecido por muitos como o pai da sociologia e também do positivismo, dizia que a religião é resultado de um primitivismo. O "primitivismo" em acepção comteana estava relacionado a um valor negativo. Não cabia ao homem moderno, na era da razão, da ciência, conviver com este "estigma" que o inferiorizava. Era preciso dar voz à razão científica. Sem perceber, invonluntariamente, Comte estava fundando uma religião - a religião científica.

O homem é, por natureza, um animal religioso. O propalado ateísmo da modernidade é, no fundo, uma crença na não-crença. O fato é que o ser humano não se acostuma com a materialidade e busca sempre um significado para aquilo que está por trás dela. Para que apazigue seu medo, sua pulsão-tensão em torno do desconehcido, cria um desejo de transferência para aquilo que está ausente dele. De maneira inconsciente, precisamos de algo que nos oriente. O caos seria insurportável. Descasamos, somos pacificados, uma carga sai dos nossos ombros, quando sentimos ou cremos que um ser superior (ou sentimento simbólico) cuida dos nossos medos, de nossa ansiedade, do desejo que se alastra pelo nosso ser. É aí, que se abre espaço para a crença, para o religioso.

Não existem seres humanos sem crenças. Crer não é, necessariamente, depositar fé em um deus, em uma religião institucional - cristianismo, judaísmo, islamismo, hinduísmo etc. Durkheim afirma que os nossos critérios de julgamento da realidade estão balizados na crença. É isso que faz criar os valores. Julgamos o que é certo e o que errado diante de validações com características duais - o bom e o ruim. Posso afirmar que sou ateu ou agnóstico, mas no fundo há reservas quanto a determinados fatos cotidianos. Se o meu time joga e desejo que ele seja campeão, deposito em relação a isso, uma confiança (crença não institucional). A minha torcida é confiante. É em outro sentido, uma confiança positiva. Se estou desempregado e busco emprego, no fundo, creio que posso encontrar um emprego. O garoto que se apaixona e investe no flerte, acredita que pode namorar a moça dos seus desejos. O jogo com a crença se estabelece como uma relação com o imaterial, com simbólico, com o intangível.

Na atualidade, há um movimento de esvaziamento da religiosidade institucional, ou seja, um movimento de "dessacralização do mundo". Mas a ideia do religioso está camuflado por trás de movimentos que se dizem laicos ou até anti-religiosos. A institucionalização do mercado não deixa de ser um evento religioso. De certa forma, este assume o poder de uma entidade absoluta, invisível, que tudo regula. Os investidores têm fé nessa força, senão ninguém arriscaria seus recursos em algo que só no futuro trará benefícios. O mercado possui sacerdotes - os economistas. Estes sacerdortes são os agentes autorizados para interpretar os humores do deus mercado. O mercado possui templos - os shopping centers - as "catedrais luminosas e limpas" do deus mercado. Richard Dawkins, um dos mais instigados defensores da ciência, no fundo, é "um religioso", que busca fundar uma outra crença: a possibilidade de que o homem possa viver no mundo sem a ideia do deus institucional.

Pensando sobre comportamento dos homens, lembro da frase daquele sofista antigo: "O homem é a medida de todas as coisas". O ser humano é o único animal capaz de criar abstratamente. De engendrar mundos. De fantasiar. De ter a consciência de que está consciente. E de criar perspectivas quanto ao seu futuro. Como o futuro é uma força indomável, preciso lhe dar com ele baseado na expectativa em torno do incerto. O futuro é incerto porque está ausente das nossas mãos. É um fato intangível. Parafraseando o filósofo pernambucano Evaldo Coutinho: "O tempo é a aproximação ininterrupta do fato".

Vivemos por causa da crença. Trabalhamos por causa da crença. Estudamos por causa da crença. Militamos em partidos políticos por causa da crença. Frequentamos igrejas e vamos ao culto ou à missa por causa da crença. Constituímos famílias por causa da crença. Votamos e esperamos uma sociedade mais justa por causa da crença. Lemos livros ou escutamos música por causa da crença. Fazemos votos de melhores dias, mesmo que não tenhamos controle sobre isso, por causa da crença.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

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