Gostei bastante do texto. Reflete importantes questões cosmológicas, teológicas e filósoficas sobre a existência de Deus. A tese do autor é interessante - e vale muito a pena ler.
Se Deus existe, Ele passou muito tempo
na moita até que pudesse ser percebido por alguém. O universo, como
existência física, é estimado em 14,5 bilhões de anos pelo calendário
terreno, quando surgiu de um ovo pré-universal, numa explosão
espetacular, cujos estilhaços formam os monumentais corpos celestes. Em
um desses estilhaços, dos bem pequenos, é verdade, o Homo sapiens, a
nossa espécie primordial, surgiu há cerca de 145 mil anos, ou seja: a
nossa existência no universo ocupa o percentual infinitamente miúdo de
0,001% da existência do mundo.
Astronomicamente falando é um tempo tão
ínfimo quanto aquele gasto no piscar de uma lagartixa no contexto de um
ano. Em algum momento de nossa curtíssima trajetória, desenvolvemos
alguns atributos que nos foram diferenciando da bicharada, tais como
consciência, o raciocínio lógico, o desenvolvimento de ferramentas, a
interferência conduzida no meio ambiente, a cultura e a intuição da
existência do sobrenatural. Só então Deus começou a dar as caras. Ou
seja, a existência de Deus como ideia e conceito começa de fato com a
evolução racional do ser humano, dentro de um processo da evolução
natural das espécies. Daí não ser um disparate afirmar que a natureza
criou o homem e o homem criou Deus. A existência de Deus, se fosse pão,
ainda estava quentinho de derreter a manteiga. Nenhuma das linhagens que
nos antecederam, como as bactérias, as formigas, as baratas, os
crocodilos, os dinossauros, supõe-se, não chegaram a aventar, ou mesmo
intuir a existência de Deus. Pela simples razão de que eram ou são seres
irracionais. A existência der Deus teve início com a nossa espécie.
A existência de Deus, a rigor, é um
efeito colateral da racionalidade. Ela acontece onde o nosso limitado
raciocínio esgota suas forças e não consegue romper. Aí entra a ordem
sobrenatural, tendo como centro o Deus absoluto, princípio, meio e fim,
aquele que é ubíquo e tudo sabe, que tem visão de raio X para saber o
que existe por trás das pedras, por trás de nosso discurso falho e não
raro dissimulado.
Costumamos afirmar que fomos feitos à
imagem e semelhança de Deus, o que nos parece não só uma forma arrogante
de nos colocar em posição superior diante das demais criaturas e assim
subjugá-las, mas também um evidente equívoco, prontamente observável.
Depois que fez o mundo, com sua alquimia
explosiva, Deus esperou com paciência por mais de 14 bilhões de anos
para inserir o homem em sua arena. Se fôssemos tão importantes como
supomos ser, talvez Deus tivesse nos preparado mesmo antes da construção
do cenário e nos conservado no formol divino e nos inserido em cena
desde o primeiro ato. Já o Homo sapiens, ao contrário de Deus, é um
bicho extremamente ansioso. Queremos alcançar resultados, atingir
objetivos desde as primeiras ações.
Diante desta situação, de duas uma: ou
Deus é semelhante a nós, mas não somos importantes para Ele, apesar da
semelhança. (A semelhança, no caso, ao invés de produzir simpatia, pode
ter produzido rejeição, pois, pelo dom da ubiquidade, Deus sabia desde
sempre quem seríamos nós e do que seríamos capazes.) Ou então Deus não é
semelhante a nós e, como espécie, somos apenas mais uma no desenrolar
do longo novelo evolutivo, e que irá desaparecer até mais rapidamente do
que as outras, como as baratas, as formigas e as bactérias, em razão de
nossa racionalidade convertida em estupidez.
É uma noção quase unânime, independente
da seita que se filie, ou da versão de Deus que se adote, que Ele é um
ser permeável e receptivo aos nossos rapapés, que costumamos chamar de
orações. E isso talvez nos fizesse especiais diante de Deus, pois somos a
única espécie capaz de desenvolver rituais bajulatórios. Ora, há
evidências de que Deus não se impressiona com nossos comovidos
petitórios. Ou pelo menos a comoção de Deus não se manifesta de forma
semelhante à comoção humana. Vez que somos tendentes a poupar de nossa
ira as pessoas que nos beijam as mãos.
Ao longo da história, não foi uma nem
duas vezes que templos abarrotados desabaram sobre os fiéis em oração.
Exemplo típico foi o Dia de Todos os Santos de 1755, em Lisboa. Estando
as igrejas da Capital repletas de fiéis, veio um terremoto. Quem
sobreviveu ao terremoto foi engolido pelas chamas provocadas pelos
escombros sobre as velas acesas. Quem ainda conseguiu sobreviver, em
seguida foi engolido por um tsunami. Milhares e milhares de pessoas
morreram rezando. A família real sobreviveu porque estava praticando um
ato que contrariava a suposta vontade de Deus. Naquele domingo santo,
dia de fervorosas adorações, estava fazendo churrasco e descansando na
casa de verão, em Queluz.
Outro exemplo bem recente foi o tremor
de terras do Haiti. Um dos países mais pobre do mundo, um povo
extremamente sofrido e digno da piedade humana e divina e outras mais,
se mais houver. Foi violentamente sacudido, não poupando nada nem
ninguém. Levou de eito aficionados do vodu, do budismo, do islã, do
cristianismo e quem mais estivesse por lá. Levou inclusive a Dra. Zilda
Arns, a nossa santa viva e operante, que salvou milhões de crianças da
mortalidade infantil, no Brasil e em outras partes. Inclusive estava lá
em missão de salvação dos pequeninos, quando a igreja desabou sobre ela.
Em qualquer tempo e lugar, as pessoas
que apostaram na hipótese de um Deus expresso e socorrista, a não ser
que tenham se vendando pelas lonas do autoengano, acabaram desiludidas. O
próprio Jesus Cristo, que se achava em condição mais do que especial
diante das atenções de Deus, na hora em que ele mais esperava,
desabafou:
− Oh, Pai, por que me abandonaste!?
Deus não é um ser de misericórdia e
amor. Pelo menos seu amor e sua misericórdia não têm as feições que
gostaríamos que tivessem. Nem tem o apego por nós que gostaríamos que
tivesse. Talvez do que Deus goste mesmo sejam suas esferas rodopiantes,
suas galáxias em espirais, suas estrelas incendiadas, seus buracos
negros que povoam o universo numa profusão quase infinita. Enquanto nós,
bicho da terra tão pequeno, como já sentenciou Camões, continuamos
circunscritos a este estilhaço minúsculo, neste recanto de universo, que
Terra tem por nome, com nosso destino atrelado ao destino das baratas e
das moscas varejeiras. Ainda assim cheios de poesia em nosso
triunfalismo enganoso.
Quanto ao título deste texto “Deus não
existe!...” é no sentido brasileiro popular. Quando alguém nos
surpreende de forma cabal, ou tem qualidades que superam quaisquer
expectativas ou prescrições, nós dizemos simplesmente: “Fulano não
existe!...” Assim me parece que seja Deus, uma entidade surpreendente,
sobejante, incapaz de se ajustar ao entendimento humano, aos dogmas
religiosos, à ciência ou à vã filosofia.
Extraído Daqui
7 comentários:
Engraçado, eu escrevi um texto com título "deus existe". E a contradição entre título e corpo também se fez presente no meu texto.
Bruno, passe-me o endereço do texto. Desejo lê-lo.
Obrigado pelo comentário!
Aqui está: http://moedasdedezmilreais.blogspot.com.br/2012/11/deus-existe.html Aproveitando, parabéns pelo blog! Muito bom mesmo!
Obrigado pela visita e pelo elogio.
Li o texto. Esse tema muito me interessa. Nos últimos anos essa tem sido uma preocupação constante para mim. Tenho lido alguns textos a respeito do tema e mais solidifico as minhas convicções acerca da não existência objetiva de um ser supremo.
Abraços!
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