sábado, dezembro 15, 2012

Luiz Gonzaga - a voz que representa um povo

No último dia 13 de dezembro, o Brasil teve a honra de comemorar o centenário do nascimento de um dos seus artistas populares mais ilustres - Luiz Gonzaga, o rei do baião, o velho Lua; um dos responsáveis pela consolidação do forró, do baião e do xote como ritmos musicais essencilamente brasileiros. Não percebi muitas homenagens sendo realizadas para laurear o grande artista nascido no sertão do estado de Pernambuco.

Resolvi, por isso, no último dia 13, assisti ao filme "Luiz Gonzaga - de pai para filho", que me pareceu bastante contudente no aspecto biográfico. A obra de Bruno Silveira revela os momentos mais importantes da história do artista pernambucano - sua origem, a saída de Exu, sua cidade natal, a fase no exército brasileiro, a ida ao Rio de Janeiro, as dificuldades iniciais para conseguir se consolidar como um artista das massas, a fase de sucesso e o posterior esquecimento do público a partir da época de JK. Todos os fatos são narrados ao filho Gonzaguinha, que vai a Exu com a finalidade de prestar contas com o pai. Os dois possuíam uma relação estremecida em decorrência das muitas viagens empreendidas por Gonzagão e o abandono do filho. É um filme bonito. Possui momentos bastante belos e dramáticos. Os atores conseguem ser convincentes.

Falar de Luiz Gonzaga é lembrar a minha infância no interior do estado de Pernambuco, na década de 80. Recordo-me de que quando saí do estado de Pernambuco, no dia de 19 de agosto de 1989, com destino a Brasília, Gonzaga morrera dia 2 do mesmo mês. Foi um acontecimento grandioso. Triste. A minha memória traz fiapos do evento. Todavia, recordo-me da grande passeata; do choro  dos pernambucanos e de tantos outros brasileiros que se identificavam com o autor de "Asa Branca". 

Sempre observava o meu avô paterno, nas tardes de sábado, embaixo de uma mangueira frondosa, a escutar em seu Chevette '79, as canções do rei do baião. Ele inclinava o banco do carro e ficava indolente na tarde ventilada e de bafo quente. 

Recordo que ainda muito pequeno, aprendi muitas das músicas do grande artista. Lá em casa, meu pai possuía inúmeros vinis de Gonzaga. As festas juninas eram grandes e divertidas, regadas ao som de Luiz Gonzaga e do Trio Nordestino. Eu, sujeito oblíquo, tacanho, em minha inocência infantil, ganhava algumas moedas da parentela para cantar músicas de Luiz Gonzaga. Uma que eu sempre cantava era "Farinhada": "Eu tava na peneira/ eu tava peneirando/ Eu tava no namoro/ eu tava namorando". Além do quê essa canção traz uma lembrança benfazeja da minha avó paterna - que hoje não mais vive. Era uma música que eu sempre a escutava cantarolar.
Outra música bastante cantada era "A volta da asa branca": "Já faz três noites/ que pro norte relampeia/ A asa branca/ ouvindo o ronco do trovão/ Já bateu asa/ E voltou pro meu sertão/ Ai, ai eu vou me embora/ Vou cuidar da plantação".

Ou "Riacho do Navio": "Riacho do Navio/ Corre pro Pajeú/ O rio Pajeú vai despejar/ No São Francisco/ O rio São Francisco/ Vai bater no "mei" do mar/ O rio São Francisco/Vai bater no "mei" do mar".

Outra ainda era de "Fiá a Pavi": "Hoje tem forró mais cedo,/ forró como eu nunca ví/ Tem quadrilha pau de sebo,/ violeiro desafio/ Sanfoneiro forrozeiro,/ têm bandinha de bifitri/ Forró quando é gostoso eu entro de fiá pavi". 

A mais pedida era "Forró de cabo a rabo": "Eu fui dançar um forró, Lá na casa do Zé Nabo/ Nunca ví forró tão bom,/ Nessa noite quase me acabo/ Tinha um mundão de mulé,/ Sanfoneiro como o diabo/ O forró tava gostoso,/ Era forró de cabo a rabo". Em minha ignorância não entendia o termo "Zé Nabo" e cantava "Zenado". O importante era que a rima se consumava.

Gostava muito de cantar embaixo do sol inclemente "Pense n'eu": "Pense n'eu quando em vez coração/ Pense n'eu vez em quando/ Onde estou, como estarei/ Se sorrindo ou se chorando/ Se sorrindo ou se chorando/ Pense n'eu... vez em quando/ Pense n'eu... vez em quando". Recordo-me de uma marcha, uma toada que possuía um toque leve de viagem, de um vagar pesaroso. Aquela contração "n'eu" possuía um efeito tremendo sobre mim. Se não estou enganado, Gonzagão contava essa música com o seu filho Gonzaguinha.

Além dessa vivência com a música de Luiz Gonzaga, no mês de junho, meu pai inventava uma festa junina que era uma atração na região de gente humilde. Magotes de matutos pululavam por todos os lados. Colocavam camisas tacanhas e perfumes de gosto duvidoso. O arrasta-pé acontecia embaixo de uma palhoça feita com palhas de coqueiro. O chão era preperado com areia. A estrutura verde abrigava danças e bebedeiras que contemplavam as três festas católicas do mês de junho - Santo Antônio, São João e São Pedro. A pândega era alimentada pelo embalo sonoro. Acepipes ordinários. Cerveja ruim. Cachaça. Riso solto. Alegria desarrazoada. E um profundo toque de satisfação naquele regozijo ordinário. 

Todavia, as músicas de Luiz Gonzaga estavam ali. Faziam a alegria do matuto. Elevava a dignidade do sujeito que se esfumava no roçado no meio da semana. Que juntava o salário mambembe e gastava na patuscada. O riso fácil, emulado pelos vapores etílicos, era esperado com anseio nervoso pelos sertanejos do lugar. Eu, criança mofina, de gestos acanhados, observava os movimentos, a expectação, o acontecimento ruidoso.

Mas o que é tão marcante em Luiz Gonzaga? É importante dizer que Luiz Gonzaga dignificou o Nordeste com a sua música. Quando de seu surgimento, o Nordeste era preterido do cenário cultural do país. A década de quarenta não possuía lugar para as novidades vindas de lá. Ao tentar a sorte no Rio de Janeiro, Gonzaga foi ousado. Inventou um estilo e, na era de ouro do rádio, solidificou uma identificação com o público - pincipalmente os nordestinos que procuravam vida nova no Centro-Sul do país. Era época da Ditadura de Vargas. A ideia de um cantor que arrebatasse o povo, sem uma crítica política explícita, agradou o status quo.

Quando analisamos a obra de Gonzaga percebemos alguns momentos bastante curiosos. Suas canções eram engajadas? Talvez essa não fosse a sua finalidade. Ele cantou o sertão. Falou das agruras da seca, como em "Asa Branca", "Pau de Arara", "Acauã" ou em "Triste Partida", a qual o compositor faz parceria com o poeta cearense Patativa do Assaré, outra voz importante do sertão. 

O fato é que arcabouço artístico de Gonzaga - o ritmo, as letras, o sotaque, as expressões utilizadas, os elementos culturais expostos, a voz gonzaguena - faz identificar os elementos culturais de uma região, de um povo inteiro. Inocente ou não,  a música gonzagueana representou/representa as condições de vida de uma parte do povo nordestino, sobretudo àquele que estava à mercê das benesses do litoral que desigual e rapidamente passava por um processo de urbanização. Aqui parafraseando Euclides da Cunha: "O que separa o sertão do litoral, não são dezenas de quilômetros; mas um século inteiro". 

Sua música, ora pede, ora agradece; ora tece críticas, ora mostra a alegria do cotidiano da região, representou para o Brasil um novo gênero musical, seja na dança, seja nas melodias. Muitas de suas letras são poesias densas, expressivas, belas e tristes - verdadeiras forças que revelam um lado esquecido do Brasil. 

Abaixo, escolhi três canções de uma beleza comovente: Acauã, Assum Preto e Estrada de Canindé. 
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