terça-feira, dezembro 11, 2012

Notas do subsolo e a largueza existencial de um personagem

Há livros cujas palavras iniciais tornam-se sentenças vivas, epigramáticas. Um desses casos é Notas do subsolo, de Dostoiévsky. A personagem, um sujeito de personalidade complexa e filosoficamente densa, representa o discurso anticientífico. O homem do subsolo de Dostoiévsky é um sujeito que se insurge contra as normas vigentes, que busca autenticidade em meio ao status quo e a ebulição de uma discurso determinante. Ele racionaliza a sua existência e diz num discurso kierkegaardiano que "o homem não é uma tecla". Ou seja, que o homem não é apenas uma engrenagem que faz girar um mecanismo social. Que ele é amplo! Que guarda mistérios e amplidões. A ideia de civilização molda os instintos, mas existe uma força subterrânea que desafia as convenções morais. Não se é apenas aquilo que se vê.

Fiquei impressionado com as vicissitudes e a largueza da personagem, que ergue um discurso anti-humano. O escritor faz uma viagem no mundo escuro das personagens. Constrói uma teia psicológica espessa. As verbalizações e o monólogo da personagem, o homem-do subsolo, o homem-do-lodo, o homem-do-escuro, o homem-barata, impinge nele a condição de anti-herói. No livro há força, energia, medo, loucura, demência, ressentimento, vergonha, escárnio, desespero, contradição, desejos autênticos, desprezo.

Segue o trecho inicial que já nos bota um gosto amargo na boca e nos faz penetrar em um mundo elétrico, lancinante.

"Sou um homem doente... Sou mau. Nada tenho de simpático. Julgo estar doente do fígado, embora não perceba nem saiba ao certo one reside meu mal. Não me trato, e nunca me tratei, por muito que considere a medicina e os médicos, pois sou altamente supersticioso, pelo menos o bastante para ter fé na medicina. (Possuo instrução suficiente para não ser supersticioso e, no entanto, sou...) Não, se não me trato é por pura maldade; é assim mesmo. O senhor não compreenderá isto, por acaso? Pois compreende-o e basta. Não há dúvida de que eu não conseguiria explicar a quem prejudico neste caso, com a minha maldade. Compreendo perfeitamente que, não me tratando, não prejudico a ninguém, nm sequer os médicos: sei melhor do que ninguém que só a mim próprio prejudico. Não importa; se não me trato é por maldade. Tenho o fígado doente? Pois que rebente!"

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