sexta-feira, dezembro 21, 2012

Pascal, Cristo e o cristianismo

Sou um sujeito grávido de espiritualidade por natureza. As ideias eternas andam comigo. Sou um ser moral. Procuro viver virtuosamente, numa espécie de socratismo inevitável. Cidadão que cumpre o dever ordinário, busco viver em paz com os homens, criaturas estúpidas e com essa força que nos alimenta e faz viver. Existe uma lei inscrita em meu coração que me leva a proceder de tal modo. Todavia, apesar dessa inclinação, angustio-me com a ausência de fundamento da fé institucionalizada. 

Tenho chegado a conclusões contudentes sobre as religiões - principalmente a cristã cuja doutrinação se deu desde pequeno. Não me tornei contrário a tudo aquilo que diga respeito a Cristo; tornei-me contrário, por sua vez, a tudo aquilo que diga respeito ao cristianismo. A mensagem de Cristo é uma mensagem autêntica. Já, por sua vez, a mensagem do cristianismo atua como uma anti-vontade contrária à liberdade. O cristianismo é uma religião doente. Enfermante. Segregadora. Arrogante. Inimiga da natureza. Cristo foi fiel àquilo que pregou. Havia bondade em sua mensagem - era "a boa-nova", que chamava aquele de coração cativo a ter em si o reino de deus. O reino de deus não era uma realidade metafísica, invisível, mas era a essência do evangelho que mora no coração. Cria tanto naquilo que falava, que morreu por aquilo que pregou. O cristianismo, de outro modo,  é uma vontade ressentida contra as forças do mundo, desejoso por afirmação e glória. 

O cristianismo enquanto sistema religioso é a negação da vida. É o escoderijo de uma metafísica arrogante, triunfalista e inimiga do mundo - porque inimiga da vida. É uma religião para homens com sentidos deformados e que buscam refúgio na culpa e na doença. 

Afirmo tais coisas, porquanto, ontem assisti ao filme Blaise Pascal (1972), do diretor italiano Roberto Rossellini. Na década de 70, Rossellini gravou filmes sobre a vida de alguns filósofos. Abordou a vida de Sócrates, Santo Agostinho, Blaise Pascal e Descartes. Tenho os quatro filmes do diretor italiano. Reservei três dos quatro para assisti neste final de ano - Sócrates, Blaise Pascal e Descartes. Mas é certo que eu assista à película sobre Agostinho também. 

Voltando: o retrato pintado a respeito do francês gerou curiosidade para que eu conheça mais profundamente o inquieto pensador. Há muito que tenho intenção de ler os Pensamentos, projeto que pretendo encetar no próximo ano. Comprei, há alguns dias, um livro sobre Pascal na livraria Paulus aqui em Brasília ("Blaise Pascal - conversão e apologética", de Henri Gouhier). Pretendo lê-lo assim que terminar os Pensamentos

O que me interessa em Pascal é a sua acuidade intelectual e filósofica. Pascal era dono de uma inteligência rara, capaz de se expandir em especulações sobre os mais variados campos do saber - era físico, astronômo, filósofo, matemático, teólogo. 

 O que é curioso nessa argúcia do pensador é o quanto a religião cristã foi responsável por oprimir o espírito de Pascal; o quanto isso lhe amofinou o engenho, a capacidade. O quanto ele sofreu. O quanto a sua saúde se tornou frágil por causa dos sofrimentos infligidos pela fé. Ele chega quase a sofrer uma paixão. Buscava suprimir um questionamento, uma ausência, uma ânsia pelo infinito. Para isso, fiou-se pelo cristianismo. Anulou-se. E aquilo acabou por matá-lo. A crença o assassinou de forma lenta, gradual, terrificante.

É conhecida a fala sarcástica e irônica de Voltaire sobre Pascal. Conta-se a lenda que Pascal se converteu ao cristianismo após ter caído de um cavalo. Voltaire disse, que, nesse tombo, Pascal bateu a cabeça e, a consequência, foi a perda da inteligência. 

Pascal poderia ter sido uma das mentes mais destacadas dos últimos mil anos, já que habitava nele uma sede pela especulação. Segundo ele, a existência não deveria se organizar apenas por intermédio de um método racional, como fica explícito em sua conversa com Descartes no filme de Rossellini. Além disso, é conhecida a frase de Pascal - "o coração tem razões que a própria razão desconhece" - que foi proferida para se constituir em antítese ao cartesianismo.

Sendo assim, penso que a religião constrói cadeias, esconde a vida da vida. A mensagem que abarca a existência é resultado de uma explosão luminosa chamada devir, que é sempre uma força criadora. Ela pode trazer eventos ditos positivos ou negativos; mas seja bom ou ruim, tudo é vida. Esconder-se por trás de promessas inócuas, debéis, com a consistência de eflúvios gelatinosos é jogar, se conduzir,  de forma inautêntica. Talvez tenha faltado isso a Pascal.

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